Capítulo XIII

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Minhas mãos estavam tremulas e frias enquanto atravessava os corredores do hospital. Cada passo me trazia uma enxurrada de memórias — os dias em que acompanhei Estela durante as primeiras sessões de quimioterapia, quando ainda buscava acreditar na pureza de nossa amizade, na força de um amor casto, como um padre zelando por sua fiel.

Agora, porém, era o homem dentro de mim que se aproximava daquele encontro, ainda que trajando as vestes de sacerdote. E esse homem não sabia o que sentiria ao vê-la, depois de meses de afastamento. Como ela estaria? A crise grave de anemia indicava que a quimioterapia avançara de forma devastadora. Estela poderia estar ainda mais magra, mais pálida, abatida. Ela me confidenciara seus temores na noite de seu último aniversário... as mudanças físicas que o tratamento traria.

Outra lembrança me atingiu em cheio. Um calor súbito percorreu meu corpo ao lembrar do quase beijo naquela noite. Engoli em seco, sentindo o coração disparar, a recordação viva de tudo o que eu admitira para mim após o seu aniversário. Mas eu precisava controlar meus sentimentos. Manter a postura de um amigo, de um sacerdote dedicado ao bem dela, para não despertar mais rumores no hospital que pudessem chegar aos seus ouvidos.

Avistei a entrada do quarto. Beatriz estava do lado de fora, a expressão preocupada. Seu olhar me dizia que ela também tinha suas reservas sobre aquele encontro. Ainda assim, me cumprimentou de maneira formal, um tanto contrariada.

— Vou deixá-los a sós. Sei que precisam conversar — disse, abrindo a porta.

O ar no corredor parecia rarefeito, e adentrei o quarto sentindo que perdia o fôlego.

Estela estava sentada na cama de hospital, um cateter nasal levava oxigênio, e um acesso em seu braço conduzia uma espécie de soro. Estava muito mais magra do que eu imaginava, o corpo frágil, a pele translúcida, como se a qualquer momento pudesse se despedaçar.

Os cabelos haviam desaparecido, assim como suas sobrancelhas, levados pela quimioterapia implacável. O tratamento necessário para combater as células cancerígenas na medula também devastava todo o restante de seu corpo. Revelando o preço altíssimo que ela pagava pela possibilidade de cura.

As doações de sangue tinham ajudado a estabilizar a crise de anemia severa, que, agora eu percebia profundamente, quase a colocara à beira da morte. Eu sabia da urgência que motivou Beatriz a pedir minha ajuda. Mas ver Estela ali, diante de mim, com a saúde tão afetada, era um golpe visceral. Cada fibra do meu ser sentia o quanto ela parecia estar sofrendo.

Foi quando vi um sorriso iluminar aqueles olhos verdes. Um sorriso meigo, que ela costumava mostrar nos encontros ao entardecer na igreja, durante nossas conversas intermináveis. Era o sorriso de sua alma. Céus, como eu amava aquele sorriso.

— Pelo visto, não fui só eu que mudei de aparência

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— Pelo visto, não fui só eu que mudei de aparência. Nunca tinha te visto de barba, padre — sua voz soou travessa, como sempre. Senti um grande alívio, os meses de distância pareciam que nunca haviam existido entre nós. Mesmo após tudo o que acontecera, Estela continuava com o seu mesmo jeito de menina-mulher que me cativava.

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