Capítulo I

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A antiga igreja de mármore respirava o silêncio do crepúsculo. A luz diáfana atravessava os vitrais como um suave adeus ao dia, preparando-se para a chegada da noite. Mais uma vez me encontrava concentrado nas tarefas, limpando o altar após a última missa, gestos imbuídos da serenidade adquirida em anos de devoção. Contudo, algo estava prestes a alterar minha rotina espiritual. Uma jovem entrou e se sentou discretamente em um dos bancos da última fileira. Não era incomum que fiéis viessem rezar entre as missas, mas essa jovem trazia algo distinto.

Semanas se passaram, e ela repetia a mesma rotina. Sempre após a última missa, sentava-se no banco mais afastado, na penumbra, onde os candelabros não a alcançavam. Permanecia ali, imóvel, sem fechar os olhos ou se ajoelhar em oração.

Eu não sabia seu nome. Nem precisava. O que mais me intrigava era o silêncio denso que ela trazia. Seu rosto pálido parecia guardar segredos que uma simples prece não poderia aliviar. Já tinha vivido e lido o suficiente para reconhecer a angústia quando a via. E naquela jovem, sentia a presença de uma dor profunda, que parecia buscar refúgio nos cantos mais sombrios da igreja. Seria culpa? Perda? Ou algum pecado oculto que ela ainda não conseguia confessar?

Tentei afastar a crescente curiosidade. A igreja sempre estaria aberta para os fiéis, e cada um carregava suas próprias batalhas. Mesmo assim, a jovem retornava, repetindo aquele ritual — sentava-se imóvel, enquanto eu apenas prosseguia com minhas tarefas sacerdotais, para depois ir embora pouco antes do fechamento do santuário. Logo, uma certa cumplicidade pareceu nascer entre nós.

Certa vez, ao organizar o altar, notei a ausência de minha silenciosa cúmplice

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Certa vez, ao organizar o altar, notei a ausência de minha silenciosa cúmplice. As horas se arrastavam, e sua figura ainda não havia tomado o costumeiro assento na última fileira. Talvez eu tenha olhado mais vezes em direção à grande porta de madeira ou lançado olhares discretos aos últimos bancos, como se esperasse vê-la surgir a qualquer momento. Talvez tivesse examinado, por instantes, se ela teria mudado de lugar, próximo dos vitrais ou até do confessionário. Mas não. Eu estava sozinho. E assim se seguiram mais dias.

A quebra da rotina não abalou por muito tempo minha austeridade. Eu cultivava a esperança de que, qualquer que fosse a angústia que a jovem carregava, ela agora tivesse encontrado paz. Com esse pensamento, retomei minhas atividades como servo de Deus. As primeiras horas da manhã eram dedicadas à meditação e ao estudo da teologia; em seguida, anotava reflexões para meus sermões em um pequeno bloco de notas. Hábitos de uma vida simples, seguidos das conduções de missas matinais e vespertinas. Por vezes participava de projetos sociais e atendia às necessidades da congregação, sempre com dedicação plena.

A aproximação do dia de Nossa Senhora da Conceição trazia consigo uma preparação especial. Devoto desde a adolescência, graças às influências de minha avó, sempre fiz questão de organizar celebrações especiais em todas as paróquias onde atuei. Às vezes, liderava procissões pela cidade; em outras, celebrava missas solenes com adoração ao Santíssimo e me esforçava ao máximo para comparecer aos encontros de novenas organizados pelas simpáticas senhorinhas da vizinhança.

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