"A Tristeza do Meu Irmão: Sob os Olhos de Sandu"

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Faz três anos e sete meses. Três anos e sete meses em que ele sofre. Três anos e sete meses se culpando por tudo o que aconteceu. E isso sem contar os quatro meses e vinte e oito dias que passou em coma.

Eu sofro com o meu irmão. Sofro com sua perda, sofro pela sua dor. E o pior: sofro por ele não aceitar ajuda, muito menos recomeçar a sua vida. Ele apenas sobrevive, vegeta. Não parece ter acordado do coma; sua vida agora é uma luta constante para chegar à noite, apenas para, não conseguir dormir. A insônia se tornou sua companheira permanente. Desde que despertou daquele sono vazio, do coma angustiante, sua existência se resume a lutar para não adormecer. E, quando o faz, os pesadelos os perseguem.

Não sei como consegui tirá-lo de Zvenigorod*, onde se refugiou, lembrando-se de quem amava em cada canto e a cada minuto do dia. Na Catedral de São Miguel Arcanjo*, onde se casou, na casa onde planejavam criar a malishka* (pequenina), a minha sobrinha tão esperada e amada, mesmo antes de vir ao mundo.

Ele se refugiava nos jardins do mosteiro Savvino-Storozhevsky*, seu lugar preferido para namorarem, quando meu irmão estava de folga. Foi ali que se beijaram pela primeira vez, nos mirantes do mosteiro, onde riam de seus desencontros devido ao trabalho de ambos, quando começaram a se conhecer e tornar oficial o relacionamento.

Meu irmão era um agente da FSB (Serviço Federal de Segurança). Com metade da idade dos agentes mais experientes e renomados, ele se destacava em tudo o que fazia. Assumiu a chefia do maior e mais importante departamento da agência, desvendando problemas complexos, evitando atritos bélicos entre a Rússia e seus aliados.

Meu irmão e minha cunhada eram o casal mais feliz que eu conhecia. Eram o meu exemplo de vida, de como eu queria ser quando encontrasse a minha Lada*. Nunca os vi brigando; resolviam tudo com calma, escutando um ao outro, ponderando tudo o que lhes causava o mínimo desequilíbrio.

Eu os amava por cuidarem de mim, por terem ocupado o lugar dos meus pais. Eles foram as figuras paternas da minha vida, já que meus genitores não tinham a menor vontade de me criar, ao contrário do amor e da paciência que recebi do meu irmão por parte de pai, que era quinze anos mais velho do que eu.

Mesmo eu sendo considerado um bastardo, como dizia a mãe dele, abandonada por nosso pai assim que conheceu a rusalka* que lhe roubou o marido, o meu irmão nunca deixou de me ver e ensinar coisas de irmãos. Havia muitas situações que se aconteciam comigo e que só ele sabia. Ele foi contra tudo e todos que não aceitavam o fato de eu ter nascido. E posso dizer que foram muitas pessoas.

Meu herói trabalhava demais, viajava muito e era requisitado para solucionar problemas em toda a Rússia. Minha cunhada era bailarina da maior e mais renomada companhia de balé. Ela era uma das principais bailarinas, fazendo turnês e ficando semanas longe, o que fazia com que ambos ficassem sem se verem por muito tempo.

Quando meu irmão alcançou o cargo de chefe, passou a ter mais folgas, podendo estabelecer moradia fora de Moscou, mas perto o suficiente para ir e voltar todos os dias para casa, para sua Lada. A sua bailarina decidiu se aposentar dos palcos para dar aulas na pequena escola de balé montada com a ajuda dele. Enfim, já era a hora de casarem. Tudo estava certo.

Eles se casaram com poucos amigos e familiares próximos, pois queriam um pequneo evento, e não gostavam de muita atenção, já que ambos já tinham o suficiente em seus empregos. Quando estavam juntos, o mundo se resumia apenas a eles.

A vida estava perfeita. Nada poderia estragar a felicidade deles. Os dois com suas ocupações profissionais adequadas, dando-lhes autonomia para viverem bem as suas vidas. Logo após o casamento, Yeketerina engravidou e a felicidade transbordava na pequena, porém acolhedora, casa deles.

Meu irmão, tinha a maioria das ações da empresa da família, mas não se interessava em administrá-la e muito menos a minha mãe, que ele a quisesse. Ela assumiu a liderança quando meu pai sofreu um derrame e não pôde mais ficar à frente da companhia. Tudo estava sendo preparado, orquestrado, para que eu assumisse a direção ao completar a maioridade, com a intenção de obter as ações do meu irmão e repassá-las para ela. Minha mãe não sabia disso, escutei a conversa dela com seu novo amante. Na época, eu não podia fazer nada, com medo de que ela machucasse o nosso pai.

Entrei em desespero quando aconteceu a tragédia com o meu irmão. Ele sempre foi muito discreto, nunca foi arrogante, ou esnobe com o que fazia. Para ele, era essencial manter-se o mais incógnita possível. Não se expunha sem necessidade. Foi cogitado que poderia ter sido uma retaliação de algum processo liderado por ele, mas quem? Como poderia ele ter feito inimigos? Nunca me contou nada de perigoso.

Passei o tempo todo ao dele no hospital. Aquele lugar virou minha moradia. O meu objetivo era estar ao lado, junto ao seu leito. Eu ficava a orar para Marzanna* não o levasse também. Ela já havia sido impiedosa em levar para Nav* as duas pessoas que amávamos. Clamava de joelhos, ao lado de sua cama hospitalar, para curá-lo, trazer do mundo sombrio, o meu herói, o meu irmão, que tinha se tornara o meu pai, que amava com todo o meu ser. Orava para que o salvasse. Para Marzanna, prometi que nunca o abandonaria e que seria tudo o que ele precisasse de mim.

Quando acordou, não era mais o meu amado irmão. Ele salvou-se do vazio do coma, mas mergulhou em depressão, não mais sorrir, não mais cantarolava animado. Não era o meu irmão falante; apenas resumiu a sua existência em ser um espectro do grande homem, que fora um dia.

Aleksei ficou com sequelas das torturas, de ser deixado quase morto. Não tinha condições em assumir a sua função na agência. Nunca entendi o porquê, já que ele trabalhava na parte burocrática.

Com a ajuda do Dmitri e do Nikolai, conseguimos assumir a empresa da família. Fizemos com que meu irmão a assumisse, teríamos os três para ajudá-lo. Tinha certeza de que ele voltaria a ser, se não como antes, pelo menos se livraria da depressão e da culpa.

Estava sendo doloroso vê-lo sofrer calado, gritando, tendo terrores noturnos toda a vez que conseguia dormir, acordando mais exausto do que quando se deitava.

Relutou em aceitar a presidência e o comando da empresa, que estava sendo desfalcada aos poucos. Mesmo sem experiência, me esforçando muito, consegui junto com o Dmitri e o Nikolai, tirar a minha mãe do cargo. Não preciso comentar que ela ficou furiosa, mas nada podia discutir, visto que suas ações representavam apenas dois por cento, nosso pai nos ajudou, dando-lhe somente uma mísera cota de ações, enquanto deixou trinta e oito para mim, nove por cento para a primeira esposa e cinquenta e um por cento para o meu irmão mais velho.

Ele se absteve das ações porque havia criado uma cláusula que seria o majoritário enquanto assumisse a direção da empresa. Quando se aposentasse, teria uma parcela dos lucros e poderia escolher quem a dirigiria após sua saída. O que não aconteceu, pois empossamos o Aleksei, sem pedir a sua benção.

Bom, resumindo: eu, Dmitri e Nikolai, abrimos uma filial no Brasil, porque queríamos tirar  meu irmão da Rússia, na esperança de que, longe de tudo isso, ele pudesse voltar a viver novamente.

Glossário

Malishka – Pequenina

Catedral de São Miguel Arcanjo – Um dos pontos mais emblemáticos de Zvenigorod, a Catedral é uma bela igreja ortodoxa russa construída no século XIV. Com a sua arquitetura impressionante e afrescos históricos, a Catedral é um recanto de paz.

Marzanna – Deusa da morte e do inverno, simbolizando o ciclo da vida, da morte e renascimento.

Mosteiro Savvino-Storozhevsky – Os jardins bem cuidados e tranquilos do Mosteiro oferecem um refúgio romântico para os enamorados se encontrarem em meio à natureza serena.

Nav ou Navia – Considerado o reino dos mortos. Nesse local, a alma dos falecidos seguem após a morte.

Nav ou Navia – Considerado o reino dos mortos. Nesse local, a alma dos falecidos seguem após a morte.

Zvenigorod – Cidade a cerca de 60 km a oeste de Moscou. Tem uma atmosfera tranquila, belas paisagens naturais e arquitetura histórica.

 Tem uma atmosfera tranquila, belas paisagens naturais e arquitetura histórica

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