Anya: "O Amor e Sacrifício do Seu Otets"

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Eu sou russa, quer dizer, nasci na Rússia e, com um ano e dois meses, meu pai veio para o Brasil, comigo nos braços. Ele nunca me contou direito a história do porquê de termos deixado tudo para trás, uma vez que a minha mãe havia morrido, para ficarmos nesse país sem uma moeda no bolso.

Sempre foi um tabu contar-me sobre as minhas origens. Sei muito pouco sobre mim, sobre a minha família, acredito que tenho mais parentes em alguma parte deste enorme mundo, mas aqui me restrinjo a apenas ao meu pai. Falo russo e italiano fluentemente, além do inglês e português.

A minha vida nunca foi um mar de rosas. Agora está pior, com o meu pai doente em casa, sem trabalhar. O que ele ganha de pensão não é o suficiente para pagar o aluguel e as despesas da casa. Os remédios necessários para ajudá-lo com o câncer no fígado são muito caros.

Terminei a faculdade de secretariado executivo e tinha um trabalho medíocre; a desculpa era sempre a mesma: eu não tinha experiência. Como adquirir experiência se ninguém me dava uma oportunidade? Se querem as pessoas mais velhas? Tudo bem, tenho jeito de novinha e não aparento os meus vinte e dois anos. Não desisti e continuei tentando; uma hora teria que haver alguém mais jovem do que eu, e sem experiência.

Estava muito difícil ver o meu pai sofrendo. Ele cuidou de mim e ensinou-me tudo sobre a Rússia, mesmo nunca tendo viajado para lá. Posso descrevê-la como era há vinte e um anos atrás e, com as pesquisas pela internet, atualizo tudo o que posso.

Meu pai é um sonhador, vive olhando as estrelas, como se elas pudessem lhe contar segredos preciosos. Quando era pequena, me contava uma história: “Jornada das Estrelas e a Sabedoria da Lua”. Achava-a linda, o otets(pai) e a dochka(filhinha) olhando o céu russo numa noite com estrelas cintilantes. O otets dizia que cada estrela tem sua própria história, sua jornada. Elas nos lembram que, mesmo na escuridão, há luz e beleza.

A menina curiosa pergunta por que a lua muda de forma. Ele, sorrindo, responde; “A lua nos ensina sobre a mudança e a renovação. Assim como ela passa por fases nós também passamos por ciclos em nossas vidas.” Ele ainda disse para ela não temer a escuridão, pois é lá que encontramos nossa força interior.

E meu otets dizia para mim:  “Lembre-se, angelochka(anjinha), assim como as estrelas brilham mesmo nas noites escuras, você também tem uma luz dentro de si. Deixe-a guiá-la pelos momentos difíceis, iluminando o seu caminho adiante.”

Já estou bem crescida, faz tempo que ele não conta mais essa história, mas nunca a esqueço. Ele a contava em noites frias, com o céu limpo as estrelas brilhando, com ou sem lua. Sei de cor e salteado, como ele brincava comigo quando a repetia nos nossos momentos difíceis, sempre o seu gramofone saltitante.

Era tão bom ser criança. Eu me preocupava muito com ele trabalhando tanto, e quando as saudades da Rússia batiam fundo, ele se afundava na vodka. Nunca encostou a mão em mim, apenas chorava e chorava, resmungando em russo e, às vezes em italiano, sobre porquê a minha mãe o haver deixado. Nessas noites, eu, pequenina ajudava-o a se deitar e o cobria da melhor maneira que conseguia. Lembro que subia na cama para colocar o cobertor por baixo dele, para que não sentisse frio. No dia seguinte, ele me abraçava, pedia perdão e dizia que faria o impossível para me dar tudo que quisesse.

E o meu pai conseguiu, fez tudo o que podia para que eu concluísse a faculdade. Nunca deixou de pôr o pão à mesa.

Fiquei brava com ele escondendo a doença, estava com o diagnóstico há mais de um ano. Ele se fez de forte, trabalhou sem se cuidar, até o dia em que desmaiou no emprego. Foi levado às pressas ao hospital, onde não teve como esconder a sua doença de mim. Como filha, questionei o médico, forçando-o a me contar a verdade.

Aleksei  Amor e Mistério Onde histórias criam vida. Descubra agora