Aleksei - "O Passado Sendo Revelado"

4 2 0
                                    

A morte de meus amigos eu irei investigar. Suspeito que sejam os mesmos mercenários que atacaram minha casa há quatro anos, matando Yeketerina e nossa dochka (filhinha). Deveria ter acabado com todos eles, não fosse o maldito que fugiu e se escondeu como o covarde que é. Se não tivesse sido impedido pelos burocratas da agência, provavelmente estaria na Rússia com a minha milaya (querida) e nossa dochka.

Não sossegarei até que Nikolai esteja sob meus ombros, junto com meus outros dois brat'ya (irmãos). Nenhum dos três sequer imagina quem realmente sou ou fui. Não sei como contar-lhes; temo que, ao descobrirem, não me amem mais e percam o respeito por mim.

Aproveitarei todo o tempo que tenho; agora eles são as pessoas mais importantes em minha vida. Sandu é a syem'ya (família) de sangue, a verdadeira, como muitos dizem na Rússia. Dmitri e Nikolai são minha syem'ya de coração, de amor. Sinto o mesmo por eles como sinto por Sandu.

Três jovens que amo mais do que tudo no mundo; eles representam o nascer do sol, brincando com os raios solares que me aquecem por inteiro. São o crepúsculo que avisa sobre a beleza da noite e seus mistérios. Cada um deles carrega consigo uma dor, um pedacinho de tristeza e mistério que suas almas trazem devido às vidas outrora difíceis.

Como voltar à ativa? As crises agudas de dores de cabeça tiram-me o controle do meu corpo. Recorro a tudo para, pelo menos, diminuir essa dor extrema, mas nada consigo. Bastava ficar estressado ou muito nervoso para que elas viessem com força total.

Já estava entrando em agonia, a dor latejava em minhas têmporas, passando por fisgadas até a nuca, transformando-se em uma dor constante e brutal. Deito-me no sofá da sala em que estava. Entreguei-me as convulsões; incapaz de me controlar, deixei-me levar por um sono pesado, sombrio e doloroso.

Vejo-me sozinho pensativo. O mundo não era apenas cinza, mas também doentio. Nada parecia capaz de fazer desaparecer o desânimo. Tudo conspirava para o desterro. Nada lembrava da luz que me rodeava. Tristeza, humilhação e vergonha…  O que mais o mundo me traria?

A minha dorogaya (amada) se foi de forma brutal. Nossa dochka não nascida nem teve tempo de abrir os olhos para a mãe que a protegia em seu ventre. A morte golpeou-a de maneira bruta e dolorosa. As lágrimas não existiam nela, foi levada sem piedade por algozes que nada se importavam com ela. Nada sentiam nada além de prazer e euforia hilária com o desespero meu e o de Yeketerina.

O que adiantou ser treinado para vencer? O que adiantou me forçarem a ser o melhor? Ser calmo, paciente e equilibrado para agir sob pressão? Nada me preparou para a dura realidade de ter minha vida arruinada em horas, o que pareceram dias intermináveis.

Olhar para a minha dorogaya, sentir sua aterrorizante experiência de tortura, faz com que eu nunca me perdoar por colocá-las em perigo e matá-las. A consciência me acusa de ter sido negligente em sua proteção e segurança.

A tortura não acaba ou diminui; reviver a morte de Yeketerina é mortificante. E eu a revivo sempre que fecho os olhos. A dor de cabeça surreal, mesmo inconsciente, afasta-me de minha coerência mental.

A cena muda em minha consciência. Estou em meu quarto em Zvenigorod. A dor é excruciante em minha cabeça. Sinto um gosto ferroso na boca. Está difícil abrir os olhos, eles ardem mesmo fechados, irritados com a poeira e minúsculos fragmentos incomodando a abertura deles. Esforço-me para usar os outros sentidos. A audição está melhor; escuto vozes conversando em romeno. Tenho quase certeza de quem são ou por quem foram enviados. Preciso filtrar os sons; necessito saber mais para começar a lutar contra esse domínio sobre mim.

Lentamente, abro os olhos e encontro todo o quarto revirado. Cadê a minha zhena (esposa)? Sinto uma bofetada no rosto.

-Vejo que acordou bem na hora de possuirmos a loira prenha. - uma gargalhada é acompanhada de mais risadas malévolas.

-Não ousem tocar nelas, seus desgraçados! - Outra bofetada fez com que vire a cabeça para o lado com tamanha força.

-Desgraçados? Quem desgraçou muitas de nossos companheiros foi você.  - O que parecia no comando cuspia as palavras com rancor. - Fique calado e apenas preste atenção em como se satisfaz uma mulher.

Desespero toma conta de mim; Yeketerina chorava, implorando para não tocarem nela, o que fazia com que batessem nela ainda mais. Chamava por mim desesperadamente, clamando por minha ajuda. Ela estava tão apavorada que não me via e nem me escutava. Notei que ela sangrava na coxa direita; haviam atirado em minha Lada. Começo a lembrar: escutei um tiro antes de perder a consciência.

Bog! (Deus!) nada consigo fazer; não posso nem me livrar das amarras que me prendem. Estou tão bem preso, com cordas grossas de sisal envolvendo todo o meu corpo, apertando minha circulação e não me permitindo mover meus membros, jogado ao chão.

-Yeketerina, me perdoa, meu amor, não consigo…. - Nada mais consigo gritar, pois tamparam minha boca com fita adesiva..

-Chega de blá, blá, blá! Só queremos ouvir os gemidos de prazer dessa rusalka vadia. E entre gargalhadas e conversas, colocaram-me diante de minha zhena sem conseguir chegar até ela para salvá-la e confortá-la.

E, impotente e chorando em desespero, fui obrigado a assistir à minha zhena ser estuprada pelos cinco mercenários. Eles foram cruéis, selvagens e brutais com a minha delicada Yeketerina. Não pouparam o seu ventre volumoso, que guardava e protegia a nossa malishka (pequenina).

Sou golpeado de novo na cabeça e perco a consciência devido à força que empregaram para me atingir.

Novamente estou no limbo. Um vazio na escuridão do nada. Um abismo de emoções lutam para emergir em meu ser.

Sou um corpo inanimado, destituído de qualquer luz ou força para continuar vivendo. Não sinto dor física nem emocional. Sinto apenas desprezo por quem me lançou na morte, estando ainda vivo.

Ouço um cantarolar, uma cantiga infantil. A cantora possui uma voz melancólica, e o que deveria ser feliz e alegre se tornou sombrio.

Pousa uma mão gélida e áspera em meu rosto. Um hálito putrefato invade minhas narinas. A mão vira meu rosto para o lado, a ponta de meu nariz roça no que um dia foi um nariz arrebitado. Dois olhos vazados, manchados de verde e injetados de sangue escurecido coagulado me encaram.

Sinto pavor ao reconhecer aquele espectro errante, carregando uma manta rosa, encardida e rota, enrolando um corpinho débil.

-Está feliz agora? - A voz ecoava em meus ouvidos, penetrando meu cérebro, apunhalando-o como se as palavras se tornassem adagas, cravando-se no mais fundo dos meus tecidos cerebrais.

-Quando nos libertará? - Sua mão aperta minha bochecha, as unhas cravam em minha pele e o sangue escorre pelo meu maxilar.

-Sofremos dor, humilhação e vergonha. - Um sorriso fantasmagórico surge em seu rosto cadavérico.

-Yeketerina, minha dorogaya, minha Lada, por favor, me leve com vocês. - Estendi os braços para abraçá-las; simplesmente abracei o nada.

-Pare de se lamentar, de se apegar ao que não mais tem. Ainda tem vida; precisa vivê-la e ser feliz com quem o ama. - Não terminou de falar; duas mãos esqueléticas arrancaram-na de mim, sumindo no espaço sem deixar rastros.

Acordei gritando, molhado de suor e lágrimas jorrando de meus olhos. Sou amparado por Dmitri e Sandu. Eles me abraçam, beijam as minhas bochechas e sussurram que Yeketerina está bem com a malishka (pequenina). Acariciam meus cabelos, colocam-me sentado e dão-me água; aos poucos vou me acalmando e voltando para junto deles.

 Acariciam meus cabelos, colocam-me sentado e dão-me água; aos poucos vou me acalmando e voltando para junto deles

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Aleksei  Amor e Mistério Onde histórias criam vida. Descubra agora