Capítulo 20

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Camila Cabello


Maio


Dizem que a primavera em Paris é mágica.
E é verdade.
A cidade tem sido a minha casa pelas últimas duas semanas, e uma parte
de mim gostaria que eu pudesse ficar aqui para sempre. O apartamento da
minha mãe fica numa área conhecida como Antiga Paris. O bairro é lindo
— ruas estreitas e sinuosas, edifícios antigos, lojinhas fofas e padarias a
cada esquina. Também é a área gay da cidade, e tanto os vizinhos de cima
quanto os de baixo são casais gays, que já nos levaram para jantar duas vezes desde que cheguei.
O apartamento só tem um quarto, mas o sofá-cama da sala de estar é bem
confortável. Adoro acordar com a luz do sol entrando pelas portas da varandinha com vista para o pátio interno do prédio. O cheiro leve de tinta a óleo na sala lembra a infância, quando minha mãe passava horas trabalhando no ateliê dela. Com o passar dos anos, minha mãe começou a pintar cada vez menos, e essa foi uma das razões pelas quais ela se
divorciou do meu pai.
Minha mãe se sentia como se tivesse se desconectado de quem era. Ser dona de casa numa cidade pequena em Massachusetts não era seu destino.
Poucos meses depois que completei dezesseis anos, ela sentou comigo e mefez uma pergunta importante: eu preferiria ter uma mãe triste, mas por
perto, ou uma mãe feliz e distante?
Respondi que queria que ela fosse feliz.
E minha mãe está feliz em Paris, não há como negar. Ri o tempo todo, e as dezenas de telas coloridas lotando o cantinho que ela usa como ateliê são
prova de que está fazendo o que ama.

“Bom dia!” Minha mãe sai animada do quarto e me cumprimenta com um cantarolar alegre de uma princesa da Disney.
“Bom dia”, respondo, meio grogue.
Não há divisão entre a cozinha e a sala, de modo que posso ver todos os
seus movimentos enquanto se dirige à bancada. “Café?”, ela pergunta.
“Por favor.”
Sento e me espreguiço, bocejando ao pegar o telefone na mesa de centro
para ver que horas são. Minha mãe não tem relógio em casa, porque diz que
o tempo aprisiona a mente, mas meu TOC não me permite relaxar sem saber
as horas.
Nove e meia. Não tenho a menor ideia do que ela planejou para nós hoje,
mas espero que não envolva muita caminhada, porque meus pés ainda estão
doloridos das cinco horas no Louvre ontem.
Estou prestes a devolver o telefone à mesa quando ele toca na minha
mão. Fico irritada ao ver o nome de Dinah na tela. São duas e meia da
manhã em Massachusetts — ela não tem nada melhor para fazer além de
ficar me enchendo? Tipo dormir?
Rangendo os dentes, deixo o celular cair no sofá-cama, ainda tocando.

Minha mãe me fita da bancada. “Quem é? Namorado ou amiga?”
“Dinah”, murmuro. “E não quero falar sobre ela. Não somos mais amigas. E Lorenzo não é meu namorado.”
“Mas, ainda assim, eles continuam ligando e mandando mensagens, o
que significa que se preocupam com você.”Não estou nem aí se eles se preocupam. Mas ignorar Lorenzo é muito mais fácil do que ignorar
Dinah. Falamos pela primeira vez há oito dias.
Conheço Dinah há treze anos.
Foi quase patético o jeito como tudo aconteceu. Seria de imaginar que
uma amizade de mais de uma década fosse acabar com uma explosão estrondosa, mas meu confronto com Dinah não passou de um estalinho.
Ela acordou, viu meu rosto e percebeu que Lorenzo tinha me encaminhado a
mensagem. Então começou a tentar minimizar os danos, mas nenhum de
seus truques habituais funcionou.
O abraço de desculpas? As lágrimas de crocodilo? Seria o mesmo que tentar tocar o coração de um robô. Eu era só uma estátua, até ela enfim se dar conta de que não ia mais cair naquela ladainha. No dia seguinte, eu me
mudei de volta para casa, dizendo para meu pai que o alojamento era barulhento demais e que eu precisava de um lugar calmo para estudar para
as provas.
Não a vejo desde então.

“Por que você não escuta o que Dinah tem a dizer?” O tom da minha
mãe é cauteloso. “Sei que você disse que ela não tinha uma boa explicação,
mas talvez isso tenha mudado.”
Uma explicação? Como se explica a traição da melhor amiga?
Curiosamente, ela nem inventou uma desculpa. Não teve nenhum “Eu
tava com inveja” ou “Tava bêbada e não pensei direito”. Tudo o que ela fez
foi sentar na beira da cama e sussurrar: “Não sei por que fiz isso, Camila”.

Bem, isso não foi o suficiente para mim no dia, e com certeza não é o suficiente agora.

“Já falei que não tô interessada em ouvir nada dela. Pelo menos não por enquanto.” Saio da cama e caminho até a bancada, estendendo a mão para a
caneca que ela me entrega. “Não sei se um dia vou querer falar com ela de
novo.”“Ah, querida. Você vai mesmo jogar fora tantos anos de amizade por
causa de um menino?”
“Não é por causa do Lorenzo. Dinah sabia que eu tava sofrendo. Sabia
que tava me sentindo humilhada pelo que tinha acontecido e, em vez de me
apoiar, esperou eu dormir para dar em cima dele. Ficou bem claro que ela
não dá a mínima para mim ou para meus sentimentos.”
Minha mãe suspira. “Não posso negar que Dinah sempre foi um pouco… egocêntrica.”
Eu bufo. “Um pouco?”
“Mas ela também é sua maior defensora”, minha mãe lembra. “Sempre
apoiou você quando precisou. Lembra aquela menina péssima que pegava
no seu pé no quinto ano? Como era o nome mesmo…? Brenda? Brynn?”
“Bryndan.”
“Bryndan? Qual é o problema dos pais de hoje, hein?” Mamãe balança a
cabeça, espantada. “Bom, lembra como a Bryn… não consigo nem falar
esse nome idiota… Como aquela menina era horrível com você? Dinah parecia um cão de guarda, rosnando e cuspindo, pronta para proteger você até o último suspiro.”
É minha vez de suspirar. “Sei que você tá tentando ajudar, mas será que a
gente pode parar de falar nela?”
“Tá, então vamos falar do menino. Também acho que você deveria ligar
para ele.”
“Mas eu não acho.”
“Querida, é óbvio que ele se sente mal pelo que aconteceu, ou não estaria
tentando falar com você. E… bem, você estava pronta para, hum… entregar
sua flor…”

Eu literalmente cuspo o café que acabei de levar à boca. Ele pinga pelo
meu queixo até o pescoço, e eu me limpo depressa com um guardanapo, antes que suje o pijama. “Pelo amor de Deus, mãe! Nunca mais fale assim de novo. Eu imploro.”
“Estava tentando ser delicada”, ela se justifica.
“Uma coisa é ser delicada, outra é voltar à Inglaterra vitoriana.”
“Tá. Você ia dar…”
“Mãe!” Sou tomada por um acesso de riso e preciso de um segundo para
poder falar sem gargalhar. “Mais uma vez, sei que você tá tentando ajudar,
mas não quero falar de Lorenzo. É verdade, eu tava prestes a transar com ele.
Mas isso não aconteceu. E chega desse assunto.”
Ela adota uma expressão aflita. “Tá, não vou mais incomodar com esse
assunto. Mas me recuso a deixar você passar o resto do verão de mau
humor.”
“Não estou de mau humor”, protesto.
“Por fora, não. Mas conheço você, Camila Elizabeth Ivers. Sei quando está sorrindo de verdade e quando está sorrindo para o público. Até agora, foram duas semanas de sorrisos fingidos.” Ela se endireita, erguendo os ombros numa pose determinada. “Acho que está na hora de fazer você sorrir de verdade. Tinha pensado em caminhar pelo rio hoje, mas sabe de uma coisa? Mudança de planos.” Ela bate palmas. “Precisamos de algo drástico.”

Droga. A última vez que minha mãe usou a palavra “drástico” acabamos
num salão de beleza em Boston, onde ela tingiu o cabelo de rosa.

“Como o quê?”, pergunto, cautelosa.
“Vamos ver a Claudette.”
“Quem é Claudette?”
“Minha cabeleireira.”
Ah, não. Agora é o meu cabelo que vai ser tingido de rosa. Tenho certeza.
Minha mãe sorri. “Confia em mim, não há nada melhor que uma boa mudança no visual para animar uma menina.” Ela tira a caneca da minhamão e a pousa na bancada. “Vá trocar de roupa enquanto eu ligo para o salão. Vai ser tão divertido!”

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