Luta livre

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As pessoas criavam suas próprias regras,

É por isso que na maioria das vezes, famílias tinham suas próprias tradições, seus próprios costumes.

Um conhecido do ensino fundamental, por exemplo, comentou uma vez que na casa dele ninguém, ninguém, podia comer tomates, achei bizarro para caralho quando ele me explicou que os avós paternos dele acreditavam que tomate por ser vermelho,
deixava o sangue mais grosso, causando o entupimento das artérias e consequentemente problemas cardíacos, sério, o quanto isso soa patético? Falar uma merda dessas deveria ser crime.

Porém, por mais que isso fosse uma merda, era uma merda que interferia apenas na vida deles, por mais que eles acreditassem fielmente nisso, eles não tentavam pregar para o mundo, Kacius pelo menos nunca dizia nada quando me via comendo salada com tomates extremamente vermelhos, aquela crença era única e exclusiva da família dele. Não interferia em nada a minha vida e pouco me importava na verdade. Ao contrário das pessoas que me olhavam agora, as que criaram regras ridículas que ao entrar no quartel, as mulheres não podiam usar os cabelos soltos, o que eu ignorava lindamente.

Essa regra não existia no regulamento, o qual eu sabia de trás para frente, então, qualquer coisa que esses idiotas com síndrome de superiores latam em minha direção, será ignorado com sucesso. Sorri ao passar por Pietra, a garota me detestava.

- Você mal chegou e já esta causando!

Zyon fala inclinando a cabeça em minha direção, a voz dele soando mais baixo que o barulho proposital dos meus saltos batendo contra o piso, se eu quisesse andaria em silêncio absoluto, mas não quero.

- Sou bonita de mais para ser ignorada.

Afirmo com convicção e ouço Zyon rir se divertindo, pois se tinha uma coisa que eu sabia sobre mim, é que sou bonita para caralho, bonita num nível raro. Ter essa certeza não me deixava arrogante mas sim, confiante o que na maioria das vezes incomoda e fazia com que muitas das mulheres que trabalhavam aqui, para não dizer todas, me odiassem.

O prédio em que estávamos e que era estritamente protegido e sigiloso, era coberto por luxo, moldado com o que havia de melhor, pelo menos no que o dinheiro poderia comprar. Os dois primeiros andares eram usados como fachada, os civis que vissem de fora pensariam que o prédio era apenas um banco, rigoroso com seus clientes o que fazia com que não tivesse um grande acesso, já que quem quisesse ter uma conta bancária aqui, deveria ser no mínimo dono de uma fortuna bilionária.

Os outros andares, os que realmente importavam eram divididos por alas, existia a ala médica que era administrada por profissionais de toda área da saúde com equipamentos de primeiro mundo, prontos e capacitados para toda e qualquer emergência. A segunda ala era a de treinamento onde todos nós íamos para manter nossas técnicas ativas, eu, na maioria das vezes ia por puro tédio. A terceira ala era o refeitório, a quarta ala era onde os nerds como Zyon gostava de dizer trabalhavam em busca de informações que precisávamos em cada missão. A quinta ala era onde acontecia as reuniões, onde entendíamos e nos uníamos para resolver seja lá qual fosse o problema que enfrentaríamos. A sexta ala eram os dormitórios.

- Tem ideia do que está acontecendo?

Zyon questionou quando entramos no elevador, coloquei minha mão aberta no leitor digital e aguardei até que minha identidade fosse confirmada o que não demorou muito e nossa entrada fosse autorizada, respirei fundo passando a mão no queixo.

- Coisa boa não é!

Afirmei o óbvio já que só nos chamam aqui quando a coisa está feia, feia o suficiente para que nenhum outro setor do exército consiga resolver, subimos para o quarto em que sempre ficávamos e ao entrar sentir uma sensação de nostalgia, lembrando da primeira vez que entrei ali, um calor gostoso me abraçou e quase sorrir com aquilo, provavelmente teria sorrido se Zyon não tivesse cambaleado para cima de mim, soltando as malas no chão de qualquer jeito, olhei para ele pronta para repreendê-lo quando vi que ele estava pálido, seus olhos brilhavam dor.

- Zyon

Chamei enquanto o amparava, segurando seu corpo para que ele não desabasse no chão, suas mãos estavam em sua cabeça quando ele gritou de dor, estremeci com o som, doendo em mim ver aquilo.

- Porra, Zyon?

Chamei novamente quando ele gemeu, sua testa suada, ele despencou se ajoelhando o acompanhei usando meu corpo como apoio. Segurei em seus braços buscando entender o que merda estava acontecendo, os olhos dele se fecharam e ele os apertava com força, era nítida a sua agonia.

- Dói, caralho. Minha cabeça dói!

Me assustei com o nível de desespero em seu tom, Zyon tinha uma alta resistência a dor, para ele está daquele jeito estava doendo para caralho. A preocupação varreu meu interior, esmagando meu peito em uma pressão insustentável. Não sabia o que fazer, não sabia como reagir, apenas levei minhas mãos até suas têmporas e com cuidado comecei a massagear, buscando aliviar a pressão que ele sentia em sua cabeça, felizmente, aparentemente aquilo ajudou e ele foi se acalmando, respirando lentamente, aos poucos ele abriu seus olhos e me encarou, estava perto de mais para que ele conseguisse me ludibriar, perto de mais e atenta de mais para que ele conseguisse mentir para mim.

- Desde quando essas dores se tornaram tão intensas? Desde quando essa porra evoluiu?

Soprei friamente, ele tentou se afastar o que não foi possível pois estava segurando ele pela nuca.

- Não eram tão intensas, nunca foi antes!

Pude ver seus olhos brilharem ao verbalizar a mentira, e eu sabia que meus olhos brilhavam raiva, deixei que ele visse a decepção em meu rosto pela mentira óbvia, deixei que ele soubesse que eu sabia que ele estava mentindo e estava desapontada. Não só por ele está se negligenciando, mas também por está mentindo para mim com tanta facilidade. A gente não mentia um para o outro, pelo menos era o que eu achava até poucos segundos atrás.

- Você realmente vai mentir dessa forma?

Questionei dando um salto e me levantando, ele levantou também e colocou as mãos na cintura.

- Não é nada para de show!

Minha risada foi sarcástica diante sua frase, minha temperatura corporal aumentando tamanha era a minha indignação, balancei a cabeça para os lados.

- Me diga, Zyon. Desde quando essas dores estão desse jeito e desde quando você se tornou essa merda de mentiroso, porra?

Ao desviar os olhos dos meus eu soube que ele estava envergonhado, se sentindo culpado mas eu não estava nem aí para aquela merda. O alcancei em dois passos, segurei seu pulso e o puxei em direção a porta do quarto que ainda estava aberta.

- Vamos para a ala médica, você irá fazer os seus malditos exames e é agora.

Em um solavanco ele se soltou e ao virar para ele vi pura raiva sendo destilada em minha direção.

- Para de agir como se você se importasse, porra. Você não é desse jeito e eu não vou a lugar nenhum, você não manda em mim!

Apertei os olhos em pequenas fendas inclinando a cabeça para o lado sorri de lado, eu o apagaria.

- Zyon...

Minha voz soou lenta, baixa, predatória. Ele deu um passo para trás seu rosto ficando vermelho.

- Você não tem o direito de me fazer ir aonde eu não quero, Ariel. Então, não se meta com as minhas merdas e me deixe em paz!

Gritou enraivecido e saiu do quarto me deixando plantada no meio do cômodo. Respirei fundo buscando me acalmar, pensar com clareza.
Sua reação só me comprovou que a sua situação está bem pior do que eu imaginei, e ele sabe e está com medo o que me fez ficar com medo também, muito.

Resolvi deixar que ele se acalmasse, deixar que ele respirasse e voltasse com a cabeça fria para que pudéssemos conversar, ele precisava entender que aquilo não era brincadeira e que ficar puto por eu está querendo ajudá-lo não era uma saída. Fiquei aguardando por horas, tomei banho, li um pouco de um livro que trouxe, e nada dele, a noite foi ficando mais escura, a madrugada foi adentrando e nada.

Porra Zyon!

Levantei da cama disposta a caça-lo irritada com sua atitude infantil, calcei meus tênis e sai do quarto indo até a ala de treinamento onde eu sabia que existia um espécie de luta livre a essa hora, um evento bem movimentado aqui dentro e um que em sete anos eu nunca havia ido, e que aquele imbecil por me deixar preocupada estava me forçando a ir.

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