Cinquenta e dois

50 12 1
                                    

Maraisa

15:30

O relógio na parede faz o tique-taque mais alto do que nunca. Amanda está no chão, espalhando seus brinquedos, falando com seus bonequinhos como se estivesse num universo próprio. Suas perguntas vêm sem parar, cheias de curiosidade infantil:

— Mãe, a Natália gosta de bonecos? Ela sabe brincar assim?

Olho para ela, tentando sorrir, mas minha mente está em outro lugar. — Vocês são gêmeas, Amanda. Acho que vão gostar das mesmas coisas — digo, mas quem estou tentando convencer? A verdade é que faz tanto tempo que não vejo Natália. Três anos... Será que ela ainda se lembra de mim?

16:00

Maiara chega com o celular na mão, o rosto iluminado pelo sorriso que só alguém apaixonado consegue ter. Ela me lança um olhar cúmplice.

— Acabei de falar com ela! Elas já estão no meio do voo, amor! — Ela não está falando de Natália, claro. A namorada dela também está nesse voo.

Eu tento me animar, mas minha mente está distante. Não consigo afastar o medo de como vai ser reencontrar Natália depois de tanto tempo. Será que ela vai me reconhecer? Será que vai estranhar Amanda?

Maiara, percebendo meu nervosismo, senta ao meu lado e segura minha mão. — Vai dar tudo certo, Maraisa.

Eu gostaria de acreditar.

17:00

O barulho da televisão preenche o silêncio que minha ansiedade teima em manter. Amanda continua brincando, agora mais agitada, enquanto Maiara responde uma mensagem no celular, distraída com sua própria expectativa. Tento manter a calma, mas os pensamentos não param.

— Mãe, por que a Natália não mora com a gente? — Amanda pergunta de repente, olhando para mim com aqueles olhinhos inocentes que fazem meu coração apertar.

Respiro fundo. — Porque a mamãe Marília cuida dela, assim como eu cuido de você. Mas agora vocês vão ficar juntas, tá bom?

Ela parece aceitar a resposta, mas a dúvida fica no ar. E eu me pergunto: como vou explicar para duas crianças de 3 anos a complexidade dessa situação?

20:00

A casa está silenciosa, exceto pelo leve som da televisão que Maiara deixou ligada mais por hábito do que por interesse. Amanda finalmente foi para o quarto, depois de muita insistência minha, mas tenho certeza de que não vai demorar muito até ela acordar de novo, cheia de perguntas sobre Natália.

Sento no sofá, o peso do dia me cansando, e olho para Maiara, que mexe no celular com um sorriso bobo no rosto. Ela está mais relaxada agora, mas eu conheço minha irmã. Algo está fervendo por dentro dela.

— O que foi? — pergunto, curiosa.

Maiara hesita por um segundo, como se estivesse tentando decidir se deveria falar ou não. Depois, ela olha para mim com um brilho nos olhos.

— Tô pensando em pedir a Dulce em casamento — ela diz, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Eu quase engasgo com o ar. — O quê?! Casamento, Maiara? Já?

— Já o quê, Maraisa? — ela ri, ajeitando o cabelo. — A gente tá juntas há um bom tempo, e eu amo ela. Tô pronta pra isso.

Eu a olho com uma mistura de surpresa e carinho. Conheço bem minha irmã e sei que, quando ela se apaixona, é de corpo e alma. Mas casamento... não esperava isso tão cedo.

— Você tem certeza? — pergunto, tentando esconder minha própria ansiedade sobre o assunto.

— Claro que tenho, Maraisa. Ela é a mulher da minha vida. — Maiara suspira, apoiando a cabeça no sofá. — Só não sei como vou fazer o pedido. Quero que seja especial, sabe? Que ela nunca esqueça.

— Ela vai aceitar. Você sabe que sim — digo, tentando encorajá-la. E é verdade. Dulce é completamente apaixonada por Maiara. Se alguém vai dizer "sim", é ela.

— Ai, tô nervosa. E se eu estragar tudo? — Maiara pergunta, apertando as mãos no colo.

— Maiara, você nunca estraga nada. Vai dar tudo certo — respondo, sorrindo, tentando aliviar um pouco a tensão. — Mas como você tá pensando em fazer isso?

Ela me lança um olhar conspiratório. — Tô pensando em pedir logo quando elas chegarem. Tipo, no amanhecer, algo bem simbólico, sabe? Ou quando fomos em algum parque.

Sinto uma onda de ternura por ela. Apesar de todo o drama que eu estou vivendo com Natália, é bom ver minha irmã feliz e segura do que quer. Ao menos um de nós tem as respostas que está buscando.

23:00

A casa está silenciosa demais. O relógio na parede parece zombar de mim, marcando cada segundo com um tique-taque mais pesado. Maiara está deitada no sofá, sem conseguir dormir, e eu ando pela casa, incapaz de me concentrar em qualquer coisa que não seja o reencontro iminente. O avião está cruzando o oceano, trazendo minha filha de volta, e eu estou aterrorizada com o que esse reencontro vai trazer.

03:30

O telefone finalmente toca, e eu sinto um frio na barriga. O voo vai pousar em meia hora. Acordo Amanda, que abre os olhos lentamente, mas logo sorri, animada.

— A Natália tá aqui? — pergunta com a voz sonolenta, mas cheia de expectativa.

— Quase, meu amor. Vamos para o aeroporto.

No carro, o silêncio é denso. Amanda está no banco de trás, brincando com seu boneco, e eu, ao volante, me pergunto o que vou sentir quando vir Natália novamente. O medo e a esperança se misturam, e a única certeza que tenho é que, a partir deste momento, nada será como antes.


🫡

o que uma mentira pode fazer?Onde histórias criam vida. Descubra agora