Trinta e sete

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Marília
16 de novembro de 2007

Tudo começou a desmoronar muito antes de eu admitir para mim mesma. Já fazia algum tempo que eu sentia a distância crescente entre mim e Maraisa, mas por meses tentei ignorar, fingir que era apenas uma fase. Sempre fui boa em manter as aparências, em fingir que estava tudo bem, mesmo quando meu coração gritava o contrário.

Mas ontem à noite, as máscaras caíram. Maraisa me chamou para conversar, e eu sabia, no fundo, que era o fim. Suas palavras eram calmas, quase frias, mas eu podia sentir a dor por trás delas. Ela falou sobre como tínhamos nos perdido, como nossas vidas haviam se afastado tanto que já não fazia mais sentido tentar manter algo que estava claramente quebrado. E ela estava certa.

Eu fiquei em silêncio enquanto ela falava, tentando absorver tudo. Não chorei, nem me desesperei. Acho que já havia chorado todas as lágrimas que tinha dentro de mim nos últimos meses. Quando ela sugeriu que cada uma ficasse com uma das meninas, não pude deixar de concordar. Amanda sempre foi mais ligada à Maraisa, enquanto Natália sempre correu para os meus braços. Separar as duas era uma ideia que me rasgava por dentro, mas parecia a única solução viável naquele momento.

Depois que conversamos, comecei a recolher minhas coisas. A casa que por tanto tempo havia sido um refúgio agora parecia um lugar estranho. Cada objeto, cada canto, tinha o peso de uma lembrança, e eu só queria sair dali o mais rápido possível. Arrumei as malas em silêncio, enquanto Maraisa cuidava de Amanda no quarto ao lado. Não havia mais o que dizer. As palavras tinham se esgotado.

Com Natália nos meus braços, deixei a casa que um dia chamei de lar. O caminho até o carro foi um borrão, e quando fechei a porta atrás de mim, o silêncio era ensurdecedor. Era como se o mundo tivesse parado, como se tudo o que existia estivesse ali, naquele momento de ruptura.

Dirigir até o apartamento de Dulce, minha prima, foi uma tarefa automática. As ruas da cidade passavam por mim sem que eu realmente as visse. Meus pensamentos estavam em Maraisa, em Amanda, em tudo o que havia acabado de acontecer. A dor da separação era tão intensa que parecia uma ferida aberta, latejando a cada segundo.

Quando finalmente cheguei à casa de Dulce, ela estava na porta, me esperando. Não precisou dizer nada; um olhar e ela entendeu. Entendeu que algo terrível havia acontecido. Dulce sempre foi assim, perceptiva, sensível às emoções dos outros.

— Marília... - foi tudo o que ela disse antes de me puxar para um abraço. Eu desmoronei ali, nos braços dela. Tudo o que havia segurado nas últimas horas veio à tona de uma vez só. Chorei, e ela apenas me segurou, sem fazer perguntas, sem tentar me consolar com palavras vazias.

— Acabou, Dulce. Eu e Maraisa... acabou. - A frase saiu entre soluços, e ela me apertou ainda mais forte.

Ela não perguntou detalhes, e sou grata por isso. Eu precisava de tempo para processar, para entender como tudo havia desmoronado tão rapidamente. Dulce me ajudou a levar Natália e as malas para dentro. Seu apartamento, sempre acolhedor, agora parecia um porto seguro no meio da tempestade.

— Você pode ficar aqui o tempo que precisar, Marília. Eu e Natália estamos aqui para você. - ela disse, com aquela calma que sempre me trouxe paz. Sabia que estava falando sério. Dulce nunca deixaria a gente na mão, não agora, não nunca.

Coloquei Natália para dormir no quarto que Dulce preparou para nós, e me sentei ao lado dela, observando seu sono tranquilo. Era um alívio vê-la assim, tão inocente, sem noção da tempestade que acabara de nos atingir. Mas ao mesmo tempo, o vazio que se abriu em mim era imenso. Eu sabia que agora, por mais que estivesse com minha filha, estaria sozinha nessa nova fase.

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