Maraisa
50 dias depois.
8 de março de 2006Eu estou no meu antigo quarto, aquele onde passei boa parte da infância. As paredes são as mesmas, mas parecem mais altas e ameaçadoras, como se estivessem se fechando sobre mim. A luz fraca da lâmpada pendurada no teto ilumina o espaço de forma estranha, distorcendo tudo ao meu redor. Eu sei que é um sonho, mas parece tão real... posso até sentir o cheiro do velho cobertor que eu usava, a textura do chão frio sob meus pés descalços.
De repente, ouço passos pesados no corredor. Meu coração começa a bater descontroladamente, e uma onda de pânico me invade. Eu tento me esconder, mas não há onde ir. A porta se abre com um rangido agoniante, e lá está ele, meu pai. Ele está mais alto do que eu me lembrava, seu olhar cheio de algo que eu nunca consegui entender completamente. Aquele olhar que me faz sentir pequena, indefesa, presa.
Ele se aproxima devagar, cada passo ecoando na minha cabeça como um trovão. Quero correr, mas minhas pernas não se mexem. Quero gritar, mas minha voz não sai. Ele se ajoelha ao meu lado, e eu sinto o cheiro de álcool misturado com seu perfume barato. Sua mão pesada pousa no meu ombro, e eu sinto um calafrio correr pela minha espinha. Ele começa a falar, mas as palavras são confusas, como se viessem debaixo d'água. Eu sei o que ele vai fazer, o que ele fez tantas vezes antes, e o terror me consome por completo.
Eu fecho os olhos com força, desejando desesperadamente acordar. Mas não consigo. Suas mãos começam a se mover, e eu me sinto suja, envergonhada, impotente. Tento me afastar, mas estou paralisada, presa naquele pesadelo sem fim. Minha mente grita para que isso pare, mas meu corpo não responde. Estou presa, e o mundo ao meu redor parece estar desmoronando.
De repente, sinto algo diferente. Um toque suave no meu rosto. Abro os olhos, ainda ofegante, e vejo Marília ao meu lado, me chamando. O quarto mudou, não é mais aquele lugar de terror. Estou no nosso quarto, o ar está quente e seguro. As lembranças do pesadelo ainda pesam sobre mim, mas a realidade começa a voltar.
Marília me puxa para um abraço, seus braços ao redor de mim são o único ancoradouro na tempestade de emoções que ainda me aflige.
—Estou aqui.- ela sussurra, sua voz firme e reconfortante, e eu começo a chorar, deixando sair todo o medo e dor. É como se as paredes que antes me cercavam estivessem desaparecendo, substituídas pelo calor e segurança do abraço de Marília.
Eu ainda sinto o peso do passado, mas, com ela, sei que posso enfrentá-lo. Não estou sozinha, não mais.
Ainda nos braços de Marília, sinto meu corpo tremer, como se toda a angústia acumulada ao longo dos anos estivesse finalmente sendo liberada. As lágrimas escorrem pelo meu rosto sem controle, e Marília apenas me segura mais forte, sem dizer nada, deixando-me desabafar.
Os minutos passam, e meu choro vai diminuindo, se transformando em soluços espaçados. Sinto o calor de Marília contra mim, a respiração dela lenta e constante, e isso me ajuda a recuperar o fôlego, a acalmar a tempestade dentro de mim. Ela começa a passar a mão suavemente pelos meus cabelos, seus dedos deslizantes, e esse gesto simples me traz um conforto imenso.
— Você quer falar sobre isso? - Marília pergunta, sua voz suave, mas firme. Sei que ela não está me pressionando, apenas oferecendo espaço para eu me abrir, se eu quiser.
Demoro um pouco para responder. As palavras estão presas na minha garganta, como se estivessem cobertas por um véu de dor e vergonha.
— Foi ele... de novo. Como antes... - consigo murmurar finalmente, minha voz trêmula e quebrada. Marília não diz nada, mas sinto seu corpo ficar tenso por um momento, antes de ela relaxar e me apertar mais uma vez.
— Eu estou aqui com você, Maraisa. Você não precisa enfrentar isso sozinha.- ela sussurra, e sua voz tem uma determinação que me aquece o coração. Ela já sabia sobre o que aconteceu quando eu era apenas uma criança. Mas reviver isso nos meus sonhos ainda me assombra de uma forma que eu não consigo controlar.
— Eu odeio que isso ainda tenha poder sobre mim. – admito, minha voz cheia de frustração e tristeza.
— Já se passaram tantos anos, mas... parece que nunca vai embora.
Marília me afasta um pouco para que possa olhar nos meus olhos. Há tanta compreensão e amor em seu olhar que meu peito dói.
— Você é incrivelmente forte por ter passado por tudo isso e ainda estar aqui, vivendo, amando... Não é fraqueza sentir dor, Maraisa. É humano. E você não está sozinha nessa, não mais.
Eu aceno, ainda um pouco hesitante. As palavras dela são exatamente o que eu preciso ouvir, mas é difícil acreditar nisso quando as cicatrizes do passado parecem tão frescas. Ainda assim, saber que tenho Marília ao meu lado, alguém que me ama e me entende, é um consolo enorme. Não vou deixar o passado definir quem eu sou, mas também sei que não preciso enfrentar tudo sozinha.
— Obrigada, Lila. - sussurro, encostando minha testa na dela. — Por me lembrar disso, por estar aqui.
— Eu sempre estarei aqui. - ela responde, firme. — Sempre.
Ficamos assim por um tempo, apenas respirando juntas, em silêncio. A dor do pesadelo ainda está lá, mas agora parece mais distante, menos avassaladora. Com Marília ao meu lado, sinto que posso encarar a noite, os pesadelos, e o que mais vier, sabendo que, finalmente, tenho alguém para me ajudar a carregar esse peso.
Aos poucos, o sono começa a me chamar de novo, mas desta vez não é o sono inquieto de antes. É um sono mais leve, mais pacífico, e antes de me deixar levar, sinto Marília me beijar suavemente na testa.
— Durma, meu amor. Eu estou aqui, e nada de ruim vai te acontecer enquanto eu estiver ao seu lado.
E, com essas palavras, me entrego ao sono, sabendo que, mesmo que os pesadelos voltem, eu não vou estar sozinha quando acordar.
Chorei escrevendo...
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o que uma mentira pode fazer?
FanficMaraisa é uma jovem marcada por traumas e amores mal resolvidos, vivendo em meio a uma família problemática. Com uma vida modesta, ela se esforça ao máximo para ajudar sua irmã, carregando sozinha o peso das responsabilidades. No entanto, seu mundo...