Celestia

127 20 5
                                    

Orm estava em seu quarto em Celestia, deitada sobre lençóis impecavelmente brancos, os olhos fixos no teto como se buscasse respostas nas estrelas que brilhavam além da abóbada celestial. O silêncio ao seu redor era opressor, contrastando com o turbilhão de pensamentos que assolava sua mente. Ling estaria traindo-a novamente?  A ideia parecia absurda e dolorosa, mas era impossível afastá-la completamente.

Cada detalhe dos últimos acontecimentos parecia dançar diante de seus olhos, formando um quebra-cabeça inquietante. A volta de Ling —tão repentina e cheia de promessas—trouxe consigo um rastro de incerteza. A barreira no umbral, um dos bloqueios mais antigos e poderosos entre os mundos, havia sido quebrada de maneira misteriosa. Os vigilantes, os olhos de Celestia, nunca souberam explicar o que havia acontecido. Uma obra de um demônio, talvez... mas por quê? Por que agora?

Sentando-se na cama, Orm esfregou o rosto com as mãos, tentando clarear seus pensamentos. Cada movimento parecia pesado, como se a dúvida estivesse tomando conta de seu corpo. Ela se lembrou de uma conversa que teve com seu pai, antes de tudo começar, algo que ela na época não tinha compreendido totalmente.

— Quantas almas estamos falando? — a pergunta havia sido feita com um tom de seriedade que poucas vezes usara com seu pai.

— O suficiente para causar caos se não forem contidas, — ele havia respondido. Sua voz era calma, mas as palavras carregavam um peso profundo. — Não sabemos como ou quem permitiu que elas escapassem.

O caos. Era sempre o caos que se seguia quando algo importante estava prestes a acontecer. Mas por que? Orm havia questionado, tentando entender o que aquilo significava.

— Distração? — seus olhos haviam se estreitado enquanto encarava as névoas que se moviam à distância, sombras quase vivas, sempre ao redor do reino celestial.

Seu pai a havia encarado de forma pensativa, como se estivesse esperando que ela visse além do óbvio.

— Talvez para algo maior, que ainda não conseguimos decifrar.

Distração. A palavra reverberava em sua mente agora com um significado novo e inquietante. Ling estava distraindo-a de quê? A volta de Ling, tão perfeita e ao mesmo tempo tão carregada de mistérios, começava a parecer uma peça dentro de um jogo maior. Um jogo que ela não havia percebido estar jogando.

O pensamento a atingiu com força, fazendo-a estremecer. O que mais estava em jogo? O que ela não estava vendo? Orm lembrou-se da expressão séria de seu pai quando ele dissera:

— Você já lidou com forças sombrias antes e manteve sua pureza.

Ela havia enfrentado as trevas, sim. Vencido batalhas contra demônios e mantido sua essência intacta. Mas havia um ponto fraco. E esse ponto fraco era Ling. Da última vez, quase sucumbira às trevas, cega pelo amor que sentia por ela. Havia seguido Ling, confiado em sua lealdade, e o resultado havia sido desastroso. A confiança entre elas tinha sido quebrada.

Agora, o retorno de Ling parecia mais do que uma simples coincidência. Orm sentia o peso de uma verdade maior se aproximando, como uma tempestade prestes a explodir. A volta de Ling era uma distração.

Com o coração acelerado, ela relembrou as palavras que Deus havia dito antes de sua partida para essa missão:

— Essa missão requer alguém que saiba lidar com as trevas sem sucumbir a elas. E... talvez, você não vá fazer isso sozinha.

Na época, aquelas palavras pareciam enigmáticas, mas Orm, confiando na onisciência de seu pai, havia guardado a frase sem entender seu verdadeiro significado. Agora, como se as peças de um quebra-cabeça se encaixassem com perfeição, tudo se tornava claro. Não era apenas sobre o retorno de uma velha amiga, de um amor perdido. Ela era parte de algo muito maior.

a Dança do Eclipse- LingOrmOnde histórias criam vida. Descubra agora