Memories

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Ling estava de frente para o espelho, experimentando uma jaqueta de couro preta que havia acabado de encontrar. Ela girou de um lado para o outro, observando cada ângulo, claramente satisfeita com o resultado.

— Fala sério, fiquei linda, né? — disse, com aquele ar convencido, ajustando a gola e dando uma piscadela para Orm. — Você até que tem bom gosto, não vou negar.

Orm riu enquanto folheava distraidamente algumas peças na arara ao lado.

— Esqueceu que era eu quem escolhia suas roupas uns anos atrás? — respondeu em um tom leve, sem pensar muito, enquanto seus olhos permaneciam nas roupas à sua frente.

A risada de Ling congelou por um segundo. Orm percebeu tarde demais o que havia dito, parando imediatamente, como se o ar ao redor tivesse ficado pesado.

Ling permaneceu em silêncio após a fala de Orm sobre ter escolhido suas roupas. Por um instante, as duas se olharam, e o ar ficou pesado com as palavras não ditas. Orm mordeu o lábio, quebrando o olhar.

— Eu... — começou, mas sua voz falhou. Não conseguiu continuar.

Ling limpou a garganta, desconfortável, desviando o olhar enquanto colocava o cabelo atrás da orelha.

— Quer uma torrada? — perguntou rapidamente, evitando o contato visual. Sem esperar uma resposta, saiu do quarto apressada, tentando fugir da tensão crescente.

Orm permaneceu parada por alguns segundos, respirando fundo, sentindo o peso do momento. Finalmente, decidiu ir atrás. Abriu a porta com um movimento decidido, mas assim que atravessou o limiar, percebeu que não estava mais no presente. Tudo era mais colorido, mais jovem, como se o tempo tivesse retrocedido. Estava de volta ao apartamento antigo.  A luz da manhã invadia o espaço, e o cheiro familiar de torradas inundava o ar. Ling, mais jovem, estava na cozinha, mexendo em uma frigideira, preparando as torradas como sempre fazia.

Ao notar Orm, Ling virou o rosto e sorriu, um sorriso despreocupado, sem as sombras de hoje.

— Fiz torradas de presunto. Suas favoritas. — disse, com uma leveza que parecia tão distante agora.

Orm olhou para ela com um misto de nostalgia e carinho, sentindo o calor do momento, ainda surpresa com o que estava acontecendo.

— Viraram minhas favoritas porque você sempre fazia para mim. — Orm respondeu, sua voz saindo suave, quase quebrada pela lembrança que parecia tão real.

Ling sorriu, daquele jeito que fazia Orm sentir como se o mundo ao redor não importasse, mas logo uma expressão confusa tomou seu rosto. Ela olhou diretamente para Orm, franzindo levemente a testa.

— Por que "fazia"? — perguntou, com aquela curiosidade suave. — Eu ainda faço, não faço?

Orm congelou por um segundo, sentindo um aperto no peito. O calor da lembrança misturado à dor da realidade a fez hesitar. Ela abriu um sorriso leve, tentando esconder a tempestade que se formava dentro dela.

— Não é nada... — murmurou, desviando o olhar por um breve momento antes de voltar a encará-la. — Me enganei. Só isso.

Ling permaneceu em silêncio por um instante, como se tentasse decifrar o que estava acontecendo, mas apenas deu de ombros, voltando a se concentrar nas torradas. O som do pão chiando na frigideira parecia ecoar na mente de Orm, trazendo memórias do tempo em que tudo parecia mais simples.

Orm respirou fundo e, por um momento, se permitiu olhar ao redor. Cada detalhe daquele apartamento parecia congelado no tempo, intacto. As paredes, pintadas com cores vibrantes, transmitiam uma alegria que ela quase havia esquecido. O sofá, gasto nas bordas de tanto uso, onde elas costumavam se deitar juntas, rindo das piadas de Ling ou simplesmente aproveitando o silêncio. A mesa de centro, com as marcas de copos e migalhas de torradas das manhãs preguiçosas. Tudo ali gritava conforto, familiaridade... casa.

a Dança do Eclipse- LingOrmOnde histórias criam vida. Descubra agora