Victória fungou umas duas vezes, o coração batendo pesado. Sentiu câimbra nas pernas conforme saía pela portinha dos fundos da chácara e entrava na mesma trilha que fez com Brenda, mais cedo. A roupa pesava em seu corpo. Caminhou como um zumbi para a trilha da floresta. A cada passo pesaroso que dava, era uma dor no peito, um sangramento interno que não parava.
Ai, meu Deus!
A verdade recaiu sobre a menina e ela se deu conta de algo que seria o início para mudar sua visão sobre as coisas. Deu-se conta de que o pesadelo do afogamento nunca foi sobre ela. Não era Victória quem estava se afogando. O tempo todo foi Isabela, presa num redemoinho, gritando por socorro.
Sua amiguinha sumiu, dissera Joaquim, na época. Então, a pequena e assustada Victória respondera: Não, papai. Ela se afogou no lago, eu vi.
Eu vi.
E não fizera nada. O primeiro filme de terror que assistira fora a melhor amiga se afogando. Mas eu salvei aquela criança hoje...
Victória alcançou a beira do penhasco em que esteve antes com Brenda e se ajoelhou. Viu toda a paisagem embaçada pelas lágrimas e começou a gritar até cair em prantos de vez. As portas de seu coração escancaradas, seus piores monstros saltando em liberdade, como se pudessem cair do penhasco e serem jogados no rio.
Victória ofegou e começou a respirar muito rápido, tentando puxar ar. Agonizou-se e ficou puxando as bordas da blusa, tentando rasgá-la. Sentiu vontade de sair da própria pele e acabar com tudo. Sem saber o que fazer, bateu-se freneticamente no rosto. A palma da mão ardente, a face cada vez mais rosada.
- Para, Victória! Para com isso!
Ouviu a voz de Eric, sem nem ter ouvido seus passos. Ele agarrou em seus punhos e tentou afastar suas mãos do próprio corpo.
- Me larga! - ela gritou, a voz grossa, irreconhecível.
- Não. - Ele começou a puxar seus braços para si. - Me abraça.
- Não.
- Por favor. - E continuou a puxá-la até fazê-la desistir de relutar. Ela apertou suas costas como se estivesse espremendo uma laranja. Se Eric sentiu dor, não demonstrou, apenas colocou as mãos em sua cabeça, meio que fechando seus ouvidos. - Ei, tá tudo bem agora - ele ficou dizendo, suavemente, como se cantasse uma canção de ninar.
Aos poucos, toda a raiva que ela sentia se dissipou e deu lugar apenas à angústia e a melancolia de viver um luto tardio pela melhor amiga. Permitiu-se desabar nos braços de garoto até fazê-lo sentar no chão, de pernas abertas e joelhos encolhidos. Olhou para o horizonte de novo e se perguntou se sua amiga a perdoaria pelo mal que lhe fizera. Quando já estava calma o suficiente para raciocinar, ela ergueu a cabeça e se afastou de Eric. Ficou encolhida a mais de trinta centímetros de distância, abraçando os joelhos com os braços.
- Você tá melhor? - Eric perguntou, a preocupação transparecendo na voz.
- Um pouco.
- Vai me contar o que aconteceu com você?
- Não. Quero ficar quieta, pode ir embora.
Eric se empertigou e ergueu os joelhos perto do rosto, imitando a posição dela.
- Vou ficar.
Ela o encarou.
- Mas eu não quero conversar, já falei.
- Então, a gente não diz nada.
Victória o encarou, pasma.
- Já esteve aqui antes?

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A Vilã [Editando]
Ficção AdolescenteVictória tinha tudo o que uma garota poderia querer: uma péssima relação com a mãe, uma péssima reputação na escola, um amor platônico por alguém que nunca olharia para ela, uma melhor amiga que sempre a colocava para baixo e um monte de traumas. Ou...