Capítulo XIV - O Prazer da Caçada.

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A floresta ao redor de Demian Órion era uma mancha escura e densa, onde as sombras se entrelaçavam e pareciam ganhar vida a cada passo seu. Ele não sabia há quanto tempo estava ali, perdido entre árvores que se erguiam como sentinelas ameaçadoras, cada uma inclinando-se como se tentasse agarrá-lo. O pânico em seu peito aumentava com cada minuto, e a sensação de ser observado - caçado - queimava em sua mente, tornando impossível não olhar para trás, mesmo sem ver qualquer perseguidor.

Um galho se quebrou sob seu pé, e ele tropeçou, ofegante, o suor escorrendo pela testa. Suas pernas quase cederam ao cansaço, afundando no solo lamacento, enquanto as sombras ao redor se tornavam ainda mais densas, cada árvore parecendo se mover em sua direção. Ele sentia o coração acelerado, o som alto em seus ouvidos, ecoando na quietude opressiva da noite.

Então, um sussurro cortou o silêncio.

- Demian...

A voz era baixa, profunda, e gelou cada nervo em seu corpo. Ele congelou, o coração pulsando freneticamente. Olhou ao redor, procurando algo, mas não havia nada além da escuridão espessa, cobrindo-o como um véu.

- Quem está aí? - Ele gritou, mas sua voz parecia frágil, engolida pela penumbra ao seu redor.

Passos lentos, pesados, se aproximaram, vindos de trás. Ele tentou correr, mas suas pernas pareciam paralisadas, presas pelo pavor crescente. Cada vez mais próxima, aquela presença se tornava sufocante, como se o ar ao redor estivesse se comprimindo.

A voz sussurrou novamente, desta vez mais perto.

- Azrael.

O nome queimou em sua mente, como uma marca feita a ferro. Órion acordou com um sobressalto, seu corpo tremendo e coberto por um suor frio. Ele abriu os olhos, tentando distinguir o quarto ao seu redor, enquanto o nome ecoava em sua cabeça, pulsando com uma estranha sensação de inquietude.

Ainda ofegante, ele viu uma figura no canto do quarto, destacando-se na penumbra. Dante estava sentado em uma cadeira, o olhar fixo nele, como se já esperasse por aquele despertar súbito.

- Um pesadelo interessante, não é? - Dante comentou, sua voz baixa e suave, mas com um toque irônico. Seu olhar era calmo, quase indiferente ao pânico visível em Órion.

Órion piscou, tentando se recuperar da desorientação. - O que você está fazendo aqui? Como entrou? - A respiração ainda estava descompassada, e ele sentia o coração retumbar no peito.

- A janela estava aberta. - respondeu com um desdém calculado, erguendo-se da cadeira. Caminhou até a janela com uma calma predatória, como se saboreasse a tensão no ar. - Eu senti que você não estava bem. Parece que eu estava certo.

Demian o observava, ainda tomado pela memória viva do sonho. - Eu tive... um pesadelo. - Sua voz era hesitante. - Um nome... Azrael.

Dante parou, os olhos se estreitando por um breve segundo, um brilho soturno passando pelo seu olhar. Não era surpresa ou medo. Era algo mais... sombrio.

- Ah, Azrael. - Ele murmurou, como se o nome despertasse lembranças distantes e esquecidas. - Finalmente.

Demian franziu a testa, sentindo a tensão aumentar. - O que quer dizer com "finalmente"? Você conhece ele?

Dante se se aproximou de Demian, encarando-o com intensidade. - Sim, conheço. Azrael está à minha procura. Ele quer vingança. - Dante fez uma pausa, deixando as palavras afundarem na mente de Demian antes de continuar, quase como se apreciasse o desconforto. - O irmão dele morreu... pelas minhas mãos.

Demian sentiu um arrepio correr por sua espinha. - Você... matou o irmão dele?

Dante inclinou a cabeça, um sorriso frio se formando nos lábios. - Sim. Ele achava que era o melhor. Desde então, Azrael tem me caçado. - Ele deu de ombros, como se fosse um mero detalhe. - Mas isso me diverte. Gosto de saber que ele está lá fora me caçando como um rato inútil que é, e que ele vive para me odiar. Torna tudo mais... interessante.

Havia algo de aterrador no modo como Dante falava, como se o perigo fosse um deleite para ele. Demian sentiu o sangue gelar e percebeu que nunca havia visto Dante dessa forma, quase animal, predatório.

- E agora ele apareceu no meu sonho... - Demian murmurou, tentando entender o significado disso. - O que isso significa?

Dante inclinou-se sobre Demian, os olhos brilhando de forma sobrenatural. - Significa que ele está perto. Ele está usando seus sonhos para chegar até mim. Ele sabe que estamos entrelaçados. - Sua voz se tornou um sussurro grave, um rosnado contido. - Mas isso não me preocupa. Na verdade, estou esperando por ele.

Demian sentiu o coração acelerar, mas não era só pelo medo do sonho. O que via em Dante era algo muito além do humano, algo brutal, indomável.

- Você quer que ele te encontre? - perguntou Demian, mal acreditando nas próprias palavras.

Dante deu um sorriso afiado, os olhos brilhando com prazer. - Claro. Não importa o quanto ele busque vingança, ele nunca vai me vencer. - Ele tocou o ombro de Demian, seu toque firme, sem traço de gentileza. - Ele acha que tem algum poder sobre mim, mas não faz ideia do que o espera.

Demian sentiu o ar se tornar denso, cada fibra de seu corpo alertando para o perigo. Ele sempre soubera que Dante era diferente, mas agora via algo ainda mais profundo, mais obscuro.

- E quanto aos seus poderes? - Demian perguntou, tentando quebrar o silêncio. - Você... consegue enfrentá-lo?

Dante ergueu uma mão, e de repente o ar no quarto ficou mais frio, um gelo que parecia emanar de sua presença. - Você não faz ideia do que sou capaz de fazer. - Seus olhos cintilavam com uma luz predatória, e Demian percebeu que estava diante de algo muito além de qualquer pesadelo.

Era mais do que força ou agilidade. Dante manipulava a realidade ao seu redor, controlava o frio, as sombras, o próprio medo. E ele não tinha a mínima intenção de se esconder de Azrael; pelo contrário, ansiava pela caçada.

- Já estava esperando por isso. - Dante continuou, o tom casual, mas com uma ponta de excitação. - Azrael pode tentar o que quiser. No final, eu sempre venço. - Ele fitou Demian com um olhar sério e intenso. - E não se preocupe. Ele não está atrás de você. Ele só usou seu sonho para me encontrar.

Demian sentiu um peso no estômago, um mal-estar profundo. Mas, antes que pudesse responder, Dante se aproximou de novo, desta vez com um toque mais leve, quase carinhoso. - Você vai ficar bem. - disse ele, num tom suave. - Mas preciso que confie em mim, Demian. Isso é algo que só eu posso resolver.

Apesar da escuridão à sua volta, Demian assentiu, ainda atordoado. Dante estava prestes a enfrentar um antigo inimigo, e ele parecia ansioso por isso. E Demian, agora, estava no centro de uma caçada muito maior do que poderia imaginar.

Quando Dante se afastou, os olhos de Demian continuaram a segui-lo, incertos, mas uma coisa era clara: Azrael estava vindo. E Dante estava pronto.





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