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No passado

Imaculada

Eu voltei para casa depois de conversar com Rosa, ela está com medo, mas consegui convencê-la, vou procurar uma alma inocente no meio dos abandonados na roda dos bastardos, ninguém vai ligar com a morte de um bastardo mestiço.

Chego em casa indo direto para o quarto da madrinha, Xavier está deitado prostrado no chão como um grande imprestável que é ainda sob o efeito do meu feitiço. Entro no quarto dela devagar me aproximando de sua cama, ela não está dormindo parece que esperava minha chegada.

— Filha... ouvi uma gritaria mais cedo... você brigou com Xavier?

— Ele descobriu que sou uma meretriz, e não gostou. É um bêbado inútil, madrinha, se tivesse começado a vender meu corpo antes talvez estaria bem rica.

Ela começou a chorar enquanto tossia sem parar, vou até ela para ajudá-la.

— Não entendo porque ainda ajudo você, deveria morrer logo, assim descansaria de vez e parava de sofrer, madrinha.

— Você...tem razão...filha. Lembro quando peguei você nos braços pela primeira vez, como fiquei feliz por ter minha sonhada menininha no colo. Você foi crescendo...e se tornando meu maior tesouro.

Comecei a rir lembrando de como minha infância e adolescência foram triste, eu sabia desde sempre que minha mãe me rejeitou e nunca quis ser uma boa mãe para mim. Eu implorava por atenção, chorava para ficar perto dela e sempre fui desprezada.

— Tesouro? Sua peça quer dizer. Seu bichinho de estimação, aquela que você sempre manteve ao seu lado para enfeitar e embonecar. Mesmo hoje me mantém aqui do seu lado como cuidadora pois nem para ter seus próprios filhos para cuidar e amar a senhora serviu.

Eu a desprezo infinitamente, todas as desgraças da minha vida são culpa dela e de Quitéria. Mas ela já está pagando por tudo que me fez morrendo agora falta Quitéria pagar por tudo que fez comigo.

— Seu coração está cheio de rancor...e mágoa. Não queria ir deixando você ...assim, meu amor.

— Pode ir para o inferno tranquila, madrinha. Eu vou ficar muito bem, quem sabe até melhor do que com a senhora viva tomando meu tempo.

Ela estendeu sua mão para que segurasse, mas não o fiz. Mantive uma distância segura dela não deixando que se despedisse. Finalmente madrinha morreu, seus olhos fecharam, sua respiração parou e eu fiquei imóvel.

Fiquei ali por um longo tempo até que Xavier apareceu percebendo que sua tia havia morrido, ele balançou meu corpo em total desespero como se não entendesse o porque de estar sem reação.

Eu não sentia absolutamente nada. Passei de escrava dela para ser escrava de Xavier, apenas isso mudou em minha vida, ele para de gritar e chorar me jogando para fora do quarto, desço as escadas encontrando Pedro António.

— Onde está Xavier? O que aconteceu ontem na porta da minha casa não pode se repetir, você quase estragou minha noite com o escândalo que Xavier armou, sua rameira asquerosa.

Virei as costas indo na direção da cozinha, não dei moral para Pedro e suas ofensas, peguei uma travessa colocando os ingredientes secos para misturar, farei um bolo de fubá.

— Você está me ignorando, puta?

— Xavier está no quarto, a madrinha acabou de morrer.

Ao terminar de misturar a farinha, o fermento e a açúcar junto com o fubá procuro por leite e ovos, colocando a quantidade certa de ingredientes líquidos para a massa não desandar.

— A mulher que criou você acabou de morrer e está fazendo bolo?

— A vida continua. Eu continuo sendo Imaculada, a escrava de ganho e prostituta, ela viva ou morta não muda nada na minha vida.

Ao ver Pedro, Xavier se joga nos braços do amigo chorando descontroladamente enquanto continuo misturando os ingredientes do bolo, vou até o forno de lenha preparando os gravetos para acender fogo.

Xavier não acreditou em mim quando falei sobre Pedro. É um idiota mesmo por não ver nada de estranho nesse homem, há uma energia esquisita nele, algo que me atrai mas ao mesmo tempo quero ficar afastada.

Deve ser o dinheiro. Dos meus clientes é o que paga melhor, foi ele o responsável por ter entrado na vida de puta, ele me fez enxergar algo que sempre fingi não ver. Sou um pedaço inútil de carne, se não souber usar o que tenho não terei nada.

Pedro

Ajudei Xavier com os trâmites do velório e enterro, Imaculada cozinhou o velório inteiro, como se quem tivesse morrido fosse uma desconhecida, vou até a cozinha encontrando uma mesa repleta de bolos, tortas e salgados.

Ela parecia estar em um mundo diferente desse, enquanto cortava os bolos e as tortas colocando em vários pratos e em uma cesta. Meu lobo quis subir, falar com ela para consolar de alguma maneira, acredito que esteja de bom humor hoje bem diferente dos últimos dias.

Deveria estar com eles e se despedir de sua madrinha.

— Ela não precisa de mim, não mais. Vou servir as visitas, Xavier não pediu, mas acho que ele não pensou nisso. Mais tarde, quer me encontrar no quarto ou em sua casa?

Ela se lembrou do encontro, exigi que antes que ficasse com qualquer outro que ficasse comigo primeiro, Imaculada é uma mulher que sabe respeitar acordos. Meu lobo anda ao seu redor farejando seu cheiro misturado com suas receitas prontas.

Não precisa ir!

— Não vou guardar luto, eu preciso do dinheiro, minha madrinha morreu e não sei como será, Xavier e eu brigamos, a minha situação que já era ruim, ficou pior.

— Você ama o músico?

Porque o lobo está interessado nisso? Imaculada não é nada além de uma prostituta que nos serve em troca de dinheiro.

— Eu não consigo amar ninguém, não tenho amor nem mesmo por mim. O músico Abelardo é bom, não me trata como se fosse um monte de carne barata. Vou servir as visitas, até mais tarde!

Assumi novamente entendendo que o lobo tem um interesse indevido em Imaculada, o melhor é não me encontrar com ela mais. Não posso ter obstáculos no meu objetivo, mesmo que sinta falta dela, preciso ficar longe.

Seu Amor, Meu Destino Onde histórias criam vida. Descubra agora