27. Seis meses depois

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O som da televisão preenchia o silêncio da sala, um contraste com a quietude quase sufocante que parecia envolver tudo ao meu redor. Eu estava sentado no sofá, as pernas esticadas e os braços cruzados sobre o peito, olhando fixamente para a tela como se cada palavra dita ali fosse um soco direto no estômago. O Tenente Erick aparecia na entrevista, sua postura impecável, o semblante sério, mas com um ar de alívio, quase como se ele estivesse satisfeito por finalmente ter desmontado um esquema que, por tanto tempo, parecia intocável.

A imagem de Marc apareceu na tela, o rosto dele estampado como o principal nome por trás do escândalo: tráfico de pessoas, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, entre outros crimes que eu nem conseguia processar. Meu peito se apertou ao vê-lo ali, aquele homem que, por tanto tempo, manipulou tudo e todos ao redor, inclusive... mim.

Eric falava com firmeza, explicando os detalhes da operação que desmantelou o esquema. Era surreal pensar que tantas pessoas estavam envolvidas, que tudo isso acontecia enquanto eu vivia achando que entendia o que estava acontecendo à minha volta.

O nome da minha mãe foi citado em seguida, e a cena mudou para uma gravação dela, chorando enquanto dava sua declaração. Ela parecia arrasada, mas para mim, aquele choro parecia tão falso quanto sua personalidade.

– Eu não sabia... eu não sabia o que eles faziam... Eu confiava nele, achava que tudo estava em ordem, mas... mas ele destruíu tudo... – A voz dela falhava, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Ela estava claramente tentando se passar por vítima, e talvez até fosse. Mas quem poderia saber?

Suspirei fundo e desliguei a televisão, jogando o controle remoto sobre a mesa de centro. A sala parecia mais pesada agora, como se até o ar tivesse absorvido a tensão do que acabávamos de assistir. Giovana, sentada na poltrona ao meu lado, mexia distraidamente em um copo de água que ela segurava. Seus dedos traçavam círculos na borda do copo enquanto ela olhava para o chão, perdida em seus próprios pensamentos.

Era a primeira vez que a via desde que ela havia saído da clínica. Giovana parecia mais magra, mas também mais... leve? Havia algo diferente nela, uma força que eu não reconhecia antes. Ela finalmente levantou os olhos para mim, quebrando o silêncio.

– Você acha que mamãe realmente não sabia de nada? – perguntou, sua voz baixa, quase cautelosa.

Dei de ombros, olhando para minhas mãos.

– Não sei, Gi. A essa altura, eu não confio em ninguém mais.

Ela assentiu lentamente, mas não disse nada. O silêncio voltou a se instalar, até que ela respirou fundo e voltou a falar.

– E... o Yago? Você teve notícias dele?

O nome dele era como uma ferida aberta que alguém acabava de cutucar. Apertei os lábios antes de responder, tentando manter a calma.

– Não. Ele sumiu. Provavelmente está com o Marc, como sempre esteve. – A amargura em minha voz era palpável.

– Não acho que seja tão simples assim. – Amanda, que estava sentada em uma cadeira próxima à janela, se pronunciou pela primeira vez desde que desliguei a TV. Ela estava quieta até então, os olhos focados em algum ponto do lado de fora, mas agora me encarava com uma expressão séria.

Amanda parecia mais forte do que quando a encontrei seis meses atrás na casa do Tenente Erick, mas ainda havia algo nela que mostrava os traumas que carregava. Sua postura era ereta, mas suas mãos estavam entrelaçadas, os dedos apertando uns aos outros como se fossem a única coisa que a mantinha ancorada no presente.

– O que você quer dizer com isso? – perguntei, virando-me para ela.

– Quero dizer que... já estive nessa posição. Já passei por isso. Sei como Marc manipula as pessoas, como ele faz você se sentir preso, como se não houvesse saída. Não acho que o Yago estava com ele porque queria. Talvez ele não tivesse escolha.

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