29. Último suspiro

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Acordei com o som suave do balanço das ondas. O sol entrava pelas frestas da cortina do quarto, banhando tudo em uma luz dourada que parecia zombar de mim. Era o meu último dia. O dia em que eu finalmente deixaria tudo isso para trás.

Respirei fundo, sentado na cama, tentando organizar meus pensamentos. Ainda havia um peso no meu peito, mas pela primeira vez em quase dois anos, esse peso parecia mais leve. A armação estava feita, e o cerco da polícia era questão de horas.

Levantei-me e olhei ao redor do quarto. Tudo era impecável, como Marc gostava. Os lençóis de seda, o lustre de cristal pendurado no teto, as janelas que ofereciam uma vista infinita do oceano. Esse luxo que, para mim, havia se tornado uma prisão.

Passei a mão pelo cabelo, tentando afastar os pensamentos. Olhei para o relógio no criado-mudo. O ponteiro mal parecia se mover, mas eu sabia que o tempo não parava. Peguei uma camisa leve de linho e uma bermuda e saí do quarto.

O corredor do iate era silencioso, como sempre. Um silêncio opressor. Caminhei até o convés, onde a brisa do mar me atingiu. Respirei fundo, deixando aquele ar salgado invadir meus pulmões. O barco estava à deriva no meio de um céu infinito. Nada além de água e horizonte à vista.

Era perfeito para Marc. Ele adorava o isolamento, o controle absoluto que tinha sobre mim ali. Mas isso acabaria hoje.

Desci até a cozinha, onde Marc já estava sentado na mesa do café da manhã. Ele usava um roupão branco, os cabelos levemente bagunçados, e parecia mais relaxado do que nos últimos dias. Sua expressão de satisfação me incomodava profundamente, mas eu mantive minha fachada.

– Bom dia – disse ele, sem nem olhar para mim, enquanto pegava uma xícara de café.

– Bom dia – respondi, me sentando à mesa.

A comida estava disposta com perfeição. Frutas frescas, pães, queijos e sucos de cores vibrantes. Tudo que Marc gostava. Eu me servi mecanicamente, sem realmente sentir o sabor de nada.

Marc olhou para mim por cima da xícara, seus olhos analisando cada movimento meu.

– Você parece mais tranquilo hoje – comentou, com um sorriso de canto.

– Só estou tentando aproveitar o dia – respondi, evitando seu olhar.

Ele colocou a xícara na mesa e inclinou-se em minha direção, seus dedos tocando levemente minha mão. Um gesto que, tempos atrás, teria me feito estremecer. Agora, só me enchia de nojo.

– Você sabe que eu faria qualquer coisa por você, não sabe? – ele perguntou, sua voz suave, quase sedutora.

Assenti, porque era o que ele queria ouvir.

Marc sorriu e se levantou, vindo para o meu lado. Ele parou atrás de mim, suas mãos pousando nos meus ombros. O toque era firme, possessivo, como sempre.

– Você é meu presente mais precioso, Yago – ele murmurou, seus lábios próximos ao meu ouvido. – E eu não vou deixar nada nem ninguém nos separar.

Minha garganta apertou, mas eu me forcei a sorrir, como se aquelas palavras não me causassem repulsa.

Ele começou a acariciar meus ombros, as mãos descendo pelos meus braços.

– Por que não subimos para o quarto? – sugeriu ele, sua voz agora cheia de malícia.

Eu sabia que não podia recusar. Não hoje. Seria a última vez.

Levantei-me e deixei que ele me guiasse pelo corredor até o quarto. O silêncio era opressor, e o som de nossos passos ecoava pelo espaço vazio.

Marc puxou minha mão enquanto caminhávamos para o quarto, seu toque firme, quase doloroso. Eu sabia o que ele queria. Já sabia pelo jeito como ele me olhou no café da manhã, pelo modo como ele sempre exigia mais de mim quando as coisas pareciam tranquilas. No fundo, Marc não sabia viver sem o controle. 

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