Dias atuais

34 3 1
                                    

Pov: Alyssa

A cozinha da casa na praia parecia um cenário tirado de um catálogo de decoração. Tudo era limpo, organizado e impecável, contrastando com o caos que eu acabava de criar em poucos minutos. A fumaça subia da frigideira, um alarme irritante apitava no teto, e eu estava no meio de tudo isso, com uma espátula inútil na mão, olhando para o desastre que deveria ter sido um ovo frito.

— Sério? — resmunguei para mim mesma, jogando a espátula na pia com mais força do que o necessário.

— Você tá tentando incendiar a casa? — A voz de Billie veio do corredor, carregada com aquele tom despreocupado que sempre me tirava do sério.

Ela entrou na cozinha com um sorriso nos lábios, o cabelo bagunçado e ainda usando a camiseta larga com que tinha dormido. Seus olhos brilharam ao olhar para o caos na frigideira.

— Não sabia que a máfia rival te treinava para isso — provocou, cruzando os braços e encostando no batente da porta.

— Cale a boca, Billie — murmurei, ainda tentando salvar alguma coisa da bagunça, mas estava claro que era inútil.

Ela riu, e o som fez algo no meu peito se apertar. Era uma risada leve, quase infantil, mas ao mesmo tempo carregada de algo que me fazia lembrar o quanto ela conseguia me desarmar.

— Não sabia que cozinhar era tão difícil assim — ela disse, aproximando-se e espiando por cima do meu ombro. — Quer ajuda ou você prefere destruir mais alguma coisa sozinha?

— Eu consigo sozinha! — retruquei, talvez alto demais, porque até eu senti o peso da minha própria voz.

Billie levantou as mãos em um gesto de rendição, mas o sorriso ainda estava ali.

— Certo, chefe. Vou só assistir ao show, então.

Eu revirei os olhos, desliguei o fogão e joguei a frigideira na pia com um baque alto. Minhas mãos tremiam, mas não era só de raiva.

— Por que você tá sempre assim? — soltei de repente, virando para ela.

— Assim como? — ela perguntou, mas o sorriso desapareceu um pouco.

— Como se tudo fosse... leve! Como se nada disso importasse! — As palavras saíram antes que eu pudesse contê-las.

Billie franziu a testa e inclinou a cabeça, cruzando os braços novamente.

— Nada disso importa? — Ela repetiu, a voz mais baixa agora, mas carregada de um tom que eu conhecia bem. Um tom perigoso. — Foi isso que você quis dizer?

Eu engoli em seco, mas não respondi. Em vez disso, virei de costas e comecei a lavar a frigideira, mais para evitar olhar para ela do que por realmente querer limpar alguma coisa.

— Sabe, Alyssa, eu larguei tudo por você. — A voz dela veio suave, mas cortante, como uma faca sendo afiada. — Meu povo, minha cidade, minha vida. Achei que era isso que você queria.

— E foi! — retruquei, me virando para encará-la. — Eu sempre quis isso, Billie. Sempre quis estar longe daquele inferno.

— E agora que estamos aqui? — Ela deu um passo à frente, os olhos fixos nos meus. — Agora que estamos exatamente onde você sempre quis, por que você não tá feliz?

As palavras dela atingiram como um soco. Eu abri a boca para responder, mas nada saiu. Porque, no fundo, eu sabia que ela tinha razão.

— Eu... eu só preciso de tempo — murmurei, desviando o olhar.

— Tempo? — Billie riu, mas não havia humor em sua risada dessa vez. — É meio tarde pra isso agora.

Eu senti o nó na minha garganta crescer, e minha raiva — raiva de mim mesma, de Billie, de tudo — começou a transbordar.

— Você não entende, Billie. Não é tão simples assim!

— Não? — Ela deu outro passo, ficando perto o suficiente para que eu sentisse o cheiro familiar de baunilha. — Eu larguei o poder, minha família, tudo o que eu conhecia. E você ainda acha que não é simples?

— Eu não pedi pra você largar nada! — gritei, sentindo as lágrimas começarem a se formar.

— Não precisou pedir. Eu fiz porque eu te amo, Alyssa. Porque eu achei que você me amava o suficiente pra isso valer a pena.

As palavras dela me atingiram como uma bofetada. Fiquei em silêncio, apenas olhando para ela enquanto a verdade do que ela dizia me atravessava. Eu sabia que ela estava magoada, sabia que, no fundo, ela esperava mais de mim.

— Eu... eu amo você, Billie — sussurrei, mas o som parecia vazio até para mim.

Ela suspirou, os ombros relaxando um pouco, mas o olhar dela ainda estava pesado.

— Então me mostra, Alyssa. — A voz dela era quase um sussurro agora. — Me mostra que vale a pena.

Eu não sabia o que responder. Porque, no fundo, o problema não era Billie. Era eu. Eu tinha tudo o que sempre quis, mas, de alguma forma, isso ainda não era suficiente para preencher o vazio dentro de mim.

Ela se afastou, passando a mão pelo cabelo enquanto balançava a cabeça.

— Vou arrumar algo pra comer — disse, saindo da cozinha sem me olhar de novo.

Fiquei ali, sozinha, com o cheiro de fumaça e um peso esmagador no peito, perguntando se algum dia eu seria capaz de dar a Billie o que ela merecia.

Separated by blood Onde histórias criam vida. Descubra agora