CAPÍTULO VINTE E SETE ( FINAL)

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O DOM

- Não! - disse Han e soltou as mãos. - Do que vocês estão falando? Não tenho o dom. Vocês
querem o Dançarino. - Ele olhou para Dançarino, em busca de apoio, mas o amigo tinha no
rosto a mesma expressão de todos os outros: uma mistura de cautela e esperança.
- Mas você tem o dom - disse Willo. - Mesmo no seu nascimento, você o manifestou tão
fortemente que sua mãe quase morreu no parto. Eu chamei Elena Cennestre.
Han balançou a cabeça e recuou até encostar no catre. Elena se aproximou e parou diante
dele. Han sentiu-se encurralado, embora fosse bem maior que ela.
- Eu fiz os braceletes - disse ela e tocou nos objetos de prata. - Eles absorvem a mágica: a
sua, bem como qualquer mágica usada contra você. Eles o protegem e também impedem que
você use a magia, acidentalmente ou de propósito. Eles impedem que você libere a aura de magia
ou armazene-a em um amuleto. Todos os descendentes de Waterlow os usaram, desde o primeiro
filho de Alger. - Ela fez uma pausa, depois acrescentou: - O nome dele era Alister.
Han ergueu os braços e fitou os braceletes como se nunca os tivesse visto na vida. Ele se
lembrou de quando Gavan Bayar jogou a bruxaria nele, e as chamas pareceram fluir para dentro
dos braceletes e desaparecer. Ele se recordou de como os demônios assassinos em Ponte Austral o
atacaram com magia e de como parecera que ela escorrera por ele. De como, apesar da
advertência de Micah Bayar, ele pegara o amuleto de serpente e sentira sua picada, mas
permanecera, de outro modo, ileso. O mesmo amuleto lançara os Austrinos contra a parede.
Han Alister - dono da rua dos Trapilhos, um golpista genioso com sangue nas mãos e
inimigos além da conta. Han Alister também era um mago capaz de disparar chamas dos dedos e
jogar bruxarias e dobrar a vontade dos outros.
Han Alister era o descendente de um louco que violara uma rainha e partira o mundo. Ou ele
era o último representante de um amor que desafiara as convenções e daqueles que pagaram o
preço por isso.
As palavras de Connor Navalha lhe vieram à mente. Qual é o seu problema? As pessoas não
param de falar sobre você. Contam histórias. É tudo que eu ouço. Alister Algema isso, Alister Algema
aquilo. Até parece que você é feito de ouro.
Mas Han não tinha sangue real. Era o filho de uma lavadeira e de um soldado.
- Seu avô também usava os braceletes - disse Elena, como se tivesse lido a mente dele. -
Ele foi criado no Campo Escarpas. - Ela fez uma pausa e um lampejo em seus olhos indicou
que ela estava ocultando um segredo. - O dom não se manifestou em seu pai. Ele morreu sem
saber sobre a linhagem.
- O que vocês disseram à minha mãe? - Han se flagrou perguntando. - Ela sabia para que
serviam os braceletes?
Elena balançou a cabeça.
- Dissemos a ela que você tinha sido possuído pelo demônio ainda no útero. Que os
braceletes protegiam você. Que ela não podia lhe contar a verdade, pois isso o deixaria vulnerável
ao mal. - A matriarca falou isso sem tom de desculpa.
Han fitou-a, horrorizado. Não era de admirar que a mãe sempre parecesse convencida de que
ele era vítima do chamado de sereia das ruas. Mesmo quando ele deixou aquela vida, ela sempre
perguntava, sem acreditar que ele havia mudado. Aquela mentira fora uma barreira entre eles.
Ele se recordou das últimas conversas que tiveram.
- Você é amaldiçoado, Han Alister - dissera ela -, e não vai dar em coisa boa.
- Nós fizemos os arranjos para abrigá-lo todo verão em Pinhos Marisa - prosseguiu Elena.
- Pagamos para a sua mãe um pequeno estipêndio.
- Então... você pagou minha mãe para que ela deixasse você me levar? - perguntou Han, e
sua voz falhou. - Ela não... fez perguntas?
Será que a mãe não havia se perguntado por que o clã estava interessado nele?
Não se isso lhe trouxesse um pouco de dinheiro. As pessoas que não tinham nada não se
davam ao luxo de fazer perguntas.
- Sua mãe tinha esperança de que fosse bom você sair da cidade - disse Willo. - Ela tinha
esperança de que isso o mantivesse fora da vida das ruas, de que você pudesse aprender um ofício
ao ar livre. Isso o protegeria do seu velho... problema.
Han sentiu-se vigiado como ele nunca se sentira nos Campos antes. Eles sempre foram um
local de segurança e de refúgio. E tudo fora simplesmente um truque. Willo, Elena e os outros
não eram mais que canastrões com roupas dos clãs.
Ele fora feito de bobo - marcado como um burro de carga nas ruas de Feira dos Trapilhos.
- Então... vocês me receberam porque pensaram que eu poderia enlouquecer e partir o
mundo como Alger Waterlow? - Han queria parecer frio, objetivo, indiferente, mas tinha
dificuldade para evitar o tremor na voz.
- Alger Waterlow não era louco - resmungou Lucius e assustou Han, que se esquecera de
que ele estava ali. Ele olhou em volta da cabana com expressão severa nos olhos cegos. - Não
me importa o que vocês todos dizem.
Ah, Han pensou amargamente, eu deveria ficar tranquilo porque o louco do Lucius Frowsley
diz que meu ancestral não era maluco?
- Caçador Solitário, você tem sido como um filho para mim - disse Willo. - Talvez tenha
começado como uma obrigação, mas agora...
- A senhora não é a minha mãe - falou Han e deixou crescer um lugar frio e mesquinho
dentro de si. - Eu tinha mãe, e ela está morta.
Pelo menos, Averill teve a decência de parecer constrangido.
- Sinto muito. Sabemos que é muita coisa para assimilar de uma vez.
- Então, para que tudo isso? - insistiu Han, ansioso para acabar com aquilo e deixar a
presença deles para que pudesse lidar com tudo do próprio jeito. Ele estava começando a se
preocupar que sua personalidade das ruas fosse deixá-lo na mão. - Por que vocês estão me
contando isso agora, depois de todo esse tempo?
- Acreditamos que este é o momento mais perigoso desde a Cisão - falou Willo. - Gavan
Bayar representa uma grande ameaça à rainha e à linhagem real. O poder do Conselho dos
Magos está crescendo e faltou muito pouco para que um deles se casasse com a princesa-herdeira.
- E o que isso tem a ver comigo? - indagou Han.
- Nós lhe contamos isso porque você tem uma opção - disse Elena. - Nós deixaremos
que fique com os braceletes e você pode continuar como tem sido. Se você quiser ficar em
Pinhos Marisa, Willo o ensinaria a arte da cura.
- E quanto ao Campo Demonai? Será que eu poderia ir para lá? - quis saber Han,
consciente de que estava testando a paciência de Elena.
- Isso depende do fato de o segredo poder ser mantido ou não - disse Elena e olhou na
direção de Dançarino. - Se souberem que você é um feiticeiro, sua vida estará em risco em
Demonai, mesmo que você usasse os braceletes. Sobretudo, ninguém deve saber de quem é o
sangue que você carrega.
Han fitou a face severa da guerreira e se perguntou: Será que ela se refere ao do Rei Demônio ou
ao de Hanalea?
- Então os guerreiros Demonai não sabem sobre mim? - perguntou Han e pensou em
Sabiá. E em Reid Demonai.
Elena balançou a cabeça.
- Ninguém além de lorde Demonai e eu. Se você decidir manter os braceletes, é melhor eles
não saberem.
Han massageou a testa. A xícara de chá esfriara.
- Você disse que eu tinha uma opção.
Elena olhou-o nos olhos.
- Nós retiraremos os braceletes, Caçador Solitário, sob a condição de que você vá para a
Academia Mystwerk, em Vau de Oden, com Dançarino de Fogo, e aprenda a controlar e usar
esse dom que o Criador lhe deu. Nós o apoiaremos, ofereceremos seu amuleto e pagaremos as
taxas de seu mestre e a alimentação. Quando você completar os cursos, voltará para cá e usará
suas habilidades em benefício do clã e da verdadeira linhagem das rainhas.
Han olhou para ela.
- Então, não há problema com feiticeiros desde que eles trabalhem para vocês?
Parece que é isso, pensou ele, pois todos eles encolheram os ombros e desviaram o olhar.
- Por que eu? - perguntou Han. - Por que não Dançarino? Ele é feiticeiro, e
provavelmente não vai enlouquecer. - Naquele mesmo momento, ele estava considerando a
ideia de enlouquecer e quebrar coisas. Parecia um bom jeito de extravasar.
- Se Gavan Bayar foi capaz de romper a amarração colocada sobre ele quando ele foi
elevado a Grão Mago, deve ter usado magia antiga - falou Averill. - Tememos o que mais os
Bayar esconderam de nós. Se eles têm acesso a amuletos antigos, podem usá-los para convencer
outros feiticeiros a irem para o seu lado. Nós precisaremos de alguém muito poderoso para se
opor a eles. Mais poderoso que Dançarino.
- O que faz vocês pensarem que sou tão poderoso? - perguntou Han. - Nunca fiz nada
mágico.
- Eu coloquei os braceletes em você quando era apenas um bebê - falou Elena. Sua
expressão dizia que era uma experiência que ela não gostaria de repetir. - Eu sei do que você é
capaz.
Lucius irrompeu em uma gargalhada ruidosa e alta.
- A questão é que todos sabem do que o jovem Alger Waterlow era capaz, garoto - disse
ele. - Eles esperam que você tenha puxado ao seu tatara-tatara-tataravô. A não ser pela parte da
destruição do mundo. Eles têm esperança de mantê-lo sob controle.
- Então - disse Han - vocês estão procurando por um soldado mágico? Um mercenário?
Elena Demonai balançou a cabeça.
- Estamos procurando um campeão. Alguém que ajudará os Campos a enfrentar o
Conselho dos Magos, caso seja necessário. Não podemos esperar para ver o que os Bayar
planejaram. Você precisa de treinamento e isso leva tempo.
- E se eu me recusar, vocês enviarão Dançarino para enfrentar o Conselho dos Magos
sozinho.
Elena assentiu.
- Não teremos escolha.
Os idosos do clã estavam concentrados em Han, decididos a persuadi-lo. Eles continuavam a
falar sobre Dançarino como se ele não estivesse ali, e isso irritava Han.
E se eles retirassem os braceletes e, no fim das contas, os poderes de Han fossem apenas um
clarão, uma fagulha que ardera quase imediatamente? Ele teria todos os mesmos problemas e
perderia a proteção que os braceletes ofereciam. Da próxima vez que Gavan Bayar o inflamasse,
ele cairia.
Além disso, ele sabia que não deveria selar um acordo sem conhecer todos os detalhes.
- E se vocês retirarem os braceletes e eu me recusasse a realizar o meu lado da barganha? -
perguntou Han. - Como vocês sabem que irei a Vau de Oden? Como vocês sabem que ficarei a
seu lado contra os feiticeiros, se chegar a isso?
- Caçador Solitário - falou Willo apressadamente -, sem dúvida, você manterá sua
palavra.
Lorde Averill ergueu a mão.
- Não. O garoto precisa saber. - O patriarca encarou Han. - Se nós retirarmos as
limitações e você deixar de cumprir o que prometeu, nós iremos atrás de você e o mataremos.
Aposto que Reid Demonai quer essa tarefa, pensou Han, e seu pescoço formigou com
inquietação. Embora ele tivesse sido caçado a vida inteira, sempre conseguira se refugiar nos
Campos quando as coisas pioravam. Daquela vez, aquele santuário estaria fechado para ele.
A matriarca dos Demonai deu um passo para perto de Han, e os olhos fundos se fixaram no
rosto dele como se ela pensasse que talvez ele estivesse desistindo.
- Willo diz que você perdeu toda a sua família pelas mãos de lorde Bayar - disse ela. -
Essa poderia ser sua chance de se vingar.
- Elena Cennestre - falou Willo. - A vingança nunca satisfaz do modo como pensamos
que irá. Você sabe disso.
Han permanecia com os olhos fixos em Elena.
- E se eu mudar de ideia? A senhora pode pôr os braceletes de volta?
Elena balançou a cabeça.
- Foi muito difícil da primeira vez. Você estará muito mais poderoso agora que na época.
Não conseguirei amarrar a magia novamente.
- Tire uns dias para decidir - pediu Willo. - Você pode conversar com qualquer um de
nós e pedir conselhos.
Como se algum deles, além de Willo, fosse dizer para Han não aceitar a proposta. Han tinha
que admitir, a reputação de bons negociantes dos clãs era merecida.
Ele sabia o que a mãe diria: Mantenha os braceletes, fique com Willo, aprenda um ofício e tenha
uma vida honesta. Fique fora do caminho dos Bayar. Não corra riscos. Era isso que ele deveria fazer.
Mas o que ele estava arriscando realmente? A mãe e Mari já tinham pago o preço pelos tolos
erros dele. Ele fizera uma confusão. Isso não podia ser desfeito.
Mas ele não era o único culpado. O Grão Mago, a rainha e sua Guarda haviam
desempenhado um papel. O único jeito que tinha para fazer com que eles se arrependessem do
que haviam feito, pensassem de modo diferente a respeito do valor da vida e de deixar uma
marca grande o suficiente no mundo para chamar a atenção deles, era se arriscar.
Naquele momento em particular ele realmente não se importava com o que aconteceria a ele,
e isso era bom, pois quando olhou para a frente não conseguiu ver como poderia vencer tudo
aquilo.
Ele esticou as mãos na direção de Elena.
- Eu já tomei minha decisão. Tira eles. - Ele olhou para Dançarino ao dizer isso e viu
alívio misturado a dor e arrependimento no rosto do amigo.
- Caçador Solitário, espere! - pediu Willo e se virou para os outros. - Este garoto perdeu
a mãe e a irmã há menos de um mês. Ele está de luto e precisa de tempo para se recuperar. Não
deveríamos obrigá-lo a decidir isso agora.
- Não temos muito tempo - disse Elena. - Dançarino parte para Vau de Oden depois de
amanhã e seria mais seguro se eles viajassem juntos. O semestre tem início em um mês e a viagem
levará tempo até lá, mesmo que eles não tenham problemas ao longo do caminho.
- Eu não quero que ele tome uma decisão da qual se arrependerá mais tarde.
- Está tudo bem. Eu já decidi - repetiu Han, em voz mais alta. - Quem vai fazer isso? -
Ele desviou os olhos de Elena para lorde Averill.
- Sente-se - disse Elena abruptamente, sem olhar para Willo. Han sentou-se em um dos
catres. Ela trouxe a bolsa e sentou-se ao lado dele. - Aproximem as tochas - falou, e
Dançarino e Averill obedeceram. O cheiro acre atingiu o nariz de Han.
Remexendo no fundo da algibeira de pele de alce, Elena tirou um pequeno pacote. Ela
desdobrou o embrulho de couro e revelou um conjunto de delicadas ferramentas de prata.
Escolheu um martelo e um cinzel, apoiou o braço de Han sobre os joelhos ossudos e fez um
gesto para Willo. A mulher ajoelhou-se ao lado deles, segurou com força a mão direita do garoto
e apertou seu pulso para mantê-lo no lugar enquanto o olhava nos olhos. Han retribuiu o olhar e
fez um esforço para manter o rosto sem expressão.
Com o martelo e o cinzel de ourives e murmurando baixinho, Elena deu batidinhas ao longo
de uma linha com runas gravadas. Rachaduras finas apareceram ao longo da linha e aumentaram
de tamanho enquanto ela continuava a trabalhar.
A mão de Han começou a formigar e ele não tinha certeza se era por causa da vibração dos
golpes seguidos ou da magia saindo. Os olhos de Willo se arregalaram; portanto, talvez ela
sentisse também.
Elena parou abruptamente, segurou a outra mão dele e começou a mexer naquele bracelete.
- É importante que eles se rompam juntos - disse ela. - Caso contrário, o desequilíbrio
pode matar você.
Han pensou nas vezes em que pedira aos ourives dos clãs, nas feiras, para o retirarem e
estremeceu.
- Fique parado - falou Elena, com expressão sombria. Não demorou muito para que o
bracelete direito se parecesse com o esquerdo.
- Agora - disse Elena e respirou fundo - nós quebraremos os braceletes. Você está pronto,
Caçador Solitário?
Então era simples assim retirar a prata que ele usara durante toda a vida. Han assentiu,
subitamente apreensivo, com a boca seca e as palmas das mãos suadas. E se isso o matasse? Seu
coração acelerou, como se tentasse bater o máximo de vezes possível antes de parar.
- Espere. - Willo trouxe uma xícara de chá de sorveira. - Tome. Beba mais dele. Por
precaução.
Han tomou tudo e deixou a xícara de lado. Willo voltou a enchê-la e parecia determinada a
afogá-lo em chá, até Elena fazer um gesto impaciente para que ela se afastasse.
Elena deslizou os polegares para baixo dos dois braceletes. Com um gesto rápido, como se
torcesse, ela os partiu e os deixou cair no chão. Han baixou os olhos para os braços. A pele dos
pulsos tinha uma cor pálida no local em que os braceletes bloquearam o sol.
Depois o calor percorreu-o, tomando-o por dentro e se espalhando até os dedos das mãos e
dos pés. Se ele tivesse alguma dúvida em relação à história que lhe contaram, ela teria acabado em
um segundo.
A sensação lembrou a Han de quando ele havia bebido uma xícara da bebida de Lucius em
uma aposta. Imagens lúgubres giraram pela mente dele e colidiram atrás de seus olhos. Seus
cabelos se arrepiaram e chamas percorreram sua pele. Fagulhas saíram dele, abriram buracos em
sua camisa e chamuscaram suas perneiras. Ele abriu os braços e pensou que devia estar parecido
com um dos espantalhos em chamas que os clãs erguiam na colheita. E se ele incendiasse a
cabana? Ela era construída com madeira, afinal.
Em pânico, ele fez um esforço para ficar de pé e, às cegas, caminhou com dificuldade até a
porta e o ar frio da noite.
Han ouviu Elena gritar:
- Dançarino de Fogo, vá atrás dele e o ajude.
Han sentiu-se incandescente, iluminado, mais leve do que jamais se sentira. Ele era uma
chama em um lampião de um corpo que ameaçava se dissolver a qualquer momento. Ele esticou
as mãos, e elas brilharam no escuro, com ossos que cintilavam através da carne.
Então Dançarino segurou as mãos dele e o poder fluiu entre os dois; isso, por alguma razão, o
estabilizou.
- Sangue e ossos - falou Dançarino. - Você não pode simplesmente ficar descontrolado
assim. Acalme-se ou você vai incendiar todo o Campo. - Ele colocou uma coisa dura e fria nas
mãos de Han. - Tome. Tente isto. Libere a magia devagar e o amuleto vai absorver.
Era o amuleto que Dançarino havia recebido na cerimônia de nomeação, o dançarino do clã
cercado pelas chamas.
Han respirou fundo, soltou o ar e se concentrou no amuleto. A magia pareceu fluir para
dentro da peça em suas mãos e as chamas sob sua pele se extinguiram. Em alguns minutos ele se
sentiu drenado e menos incendiário.
- Obrigado - murmurou Han e devolveu o amuleto para Dançarino.
- Aprendi algumas coisas por tentativa e erro - falou Dançarino. - Você pode armazenar
magia nessas coisas e guardar para mais tarde.
- Isso vai causar algum problema? - perguntou Han. - Minha magia... no seu amuleto?
Dançarino encolheu os ombros.
- Não faço ideia. Andei me esforçando para controlar isso por mais de um ano, mas não tive
nenhum treinamento real. - A boca de Dançarino torceu-se num sorriso, o primeiro que Han
via nele desde a cerimônia de nomeação. - Acho que os anciãos estão certos. Você tem muito
mais poder que eu. Ou isso ou ele foi se acumulando desde que você era um bebê.
Han estava egoisticamente satisfeito por Dançarino compartilhar sua dificuldade, satisfeito
por ter alguém com quem viajar até Vau de Oden, satisfeito que não tivesse que passar por isso
sozinho.
- Você terá que conversar com Elena sobre seu amuleto - falou Dançarino. - Ela fará
algo especial para você.
O que ela faria para ele?, foi o que Han se perguntou. Será que ele teria alguma opinião
naquele assunto? Ele esticou as mãos e observou, fascinado, conforme as minúsculas chamas percorriam sua pele.
Depois, um som baixinho, a respiração de alguém, o fez erguer os olhos para as sombras
debaixo das árvores. Sabiá estava lá, imóvel, com uma expressão horrorizada no rosto. E, além
dela, Reid Demonai, com o belo rosto severo e cauteloso, como se ele tivesse descoberto uma
víbora na pilha de lenha e estivesse tentando decidir como matá-la.
E então Han se lembrou: ele havia dito a Sabiá para esperar por ele, que eles desceriam até o
rio após a reunião. Ela devia ter visto as chamas, devia ter ouvido a conversa entre ele e
Dançarino.
- Sabiá! - chamou Han, quando ela se afastou. Ele deu um passo na direção dela. -
Espere!
Mas Sabiá desapareceu silenciosamente em meio às árvores. Reid ficou parado e o fitou por
um instante, depois a seguiu.
Mais tarde naquela noite, Han deitou-se em seu catre na Cabana da Matriarca, sem conseguir
dormir. Elena lhe dera um pequeno amuleto, com um entalhe de um texugo, para usar até que
ela pudesse fazer um para ele. O objeto estava apoiado sobre seu peito, por baixo da camisa, mas
Han prestava pouca atenção nele.
O garoto tinha consciência aguda do amuleto do Rei Demônio que se encontrava escondido
debaixo dele. Era como se alguém tivesse feito uma fogueira debaixo de sua cama, e ela
chamuscava sua pele, não importando a posição em que ele estivesse deitado. Finalmente, ele
passou a mão por debaixo do matelassê e fechou-a sobre o faz-feitiço. A magia fluiu para fora
dele e para dentro do entalhe, um alívio abençoado. Era assim que seria? Constantemente ele
verteria a magia e teria que encontrar um local para guardá-la?
Imagens desconhecidas giraram em sua mente: chamas que iluminavam um campo de
batalha, o duelo de soldados, o sangue que empoçava no chão. Uma mulher bonita, com as mãos
esticadas, chorava e gritava: "Alger." E dor, dor ofuscante.
Han abriu a mão que apertava o amuleto e sentou-se muito ereto. Ele não precisava desse tipo
de sonho.
Willo ainda não voltara e, sem dúvida, estava planejando o futuro dele com Averill e Elena.
Dançarino estava dormindo e Han podia ouvir sua respiração constante do outro lado da
cabana.
Quando ele ouviu alguém do lado de fora da cabana, pensou inicialmente que fosse Willo de
volta. Mas o intruso movia-se furtivamente, parava e recomeçava, e quando ele viu a silhueta na
entrada da porta, Han tinha a faca na mão e a esperança em seu coração.
- Sabiá? - murmurou ele. Talvez ela tivesse voltado. Talvez eles pudessem conversar.
Talvez...
- É você, garoto? - ouviu-se uma voz abafada. Era Lucius.
- Sou eu - respondeu Han, e reclinou-se novamente e guardou a faca debaixo do
travesseiro.
- Achei que você ainda poderia estar acordado - Lucius arrastou os pés, batendo com o
bastão à frente dele até encontrar o catre. Ele sentou-se na beirada, perto de Han.
- O que você quer? - murmurou Han. - Já está tarde.
- Acho que você tem muita coisa para pensar.
- Achou certo.
Fez-se uma longa pausa. Então, Lucius cochichou:
- Você é poderoso. Eu posso sentir isso. Você me lembra Alger. - Ele esticou uma das
mãos, cauteloso, como se pudesse se queimar, e tocou o braço de Han.
- Eu não sou Alger - falou Han e afastou a mão de Lucius. Ele acreditava que Lucius era
seu amigo. Mas todos à sua volta, incluindo Lucius, ocultaram a verdade.
- Você ainda tem o amuleto que tirou do garoto Bayar? - perguntou Lucius. O velho
tentou agir com indiferença, mas suas mãos mexeram-se no colo dele, como faziam quando ele
estava irritado. - Você não o perdeu no incêndio, perdeu?
- Eu ainda o tenho - falou Han. - Qual é o problema com ele?
- Você deveria aprender a usá-lo, é isso.
- Eu deveria jogá-lo em uma poça de lama - falou Han. - Só tive problemas desde que
peguei aquela coisa.
- Você terá problemas em seu caminho, queira ou não - disse Lucius. - Poderia muito
bem ter um pouco de poder de fogo para lidar com eles.
- Elena vai fazer um amuleto para mim - retrucou Han. - Qual é o problema com ele?
- Elena quer controlá-lo, assim como todos os outros. Qualquer amuleto que ela lhe der vai
deixá-lo sob seu domínio. Aquele amuleto que você pegou é seu por direito.
- Muito bem. E talvez ele me transforme em um demônio como fez com Alger Waterlow. E
me dê alucinações. - Han estava provocando Lucius de propósito. Ele apenas não sabia o
porquê.
Em resposta, Lucius cuspiu no chão.
- Aliás, qual é o seu cão nessa briga? - Han quis saber. - Posso não gostar do acordo com
lorde Demonai, mas, pelo menos, eu o entendo. O que você ganha com isso?
- Alger Waterlow era meu amigo - disse Lucius. - Você tem o sangue dele. Os clãs não
dirão a ninguém quem você realmente é. Você também mantenha a boca fechada por enquanto.
Não quero que você seja traído e assassinado como ele foi.
Com isso, o velho ergueu-se e saiu, arrastando os pés.
Uma semana depois, Raisa ana'Marianna, princesa-herdeira de Fells, partiu do Campo Demonai
montada em sua nova égua, que recebera o nome de Switcher para combinar com a antiga. Raisa
trajava a roupa marrom e verde da Guarda da Rainha, e seu cabelo estava preso em uma trança
sóbria. Com ela, cavalgava Amon Byrne, com o lenço dos oficiais amarrado em volta do
pescoço, e os outros cadetes do quarto ano que se autodenominavam os Lobos Gris. Reunidos,
eram uma formação de nove soldados. Mais um.
A Alcateia se amontoava ao redor dela como abelhas arrogantes, com as mãos nas armas, e franzia o cenho para a vegetação rasteira como se isso fosse o suficiente para impedir uma
emboscada. Eles ouviram falar que ela era a filha do duque de Fells, que viajava sob a proteção
deles. Eles assumiram o papel com muita seriedade. Raisa torcia para que aquilo passasse antes
que eles chegassem às terras baixas.
O palácio estava um tumulto silencioso, se tal coisa era possível. Mais uma vez, as notícias do
desaparecimento de Raisa foram mantidas em segredo, desta vez pela rainha, a Guarda e seu
gabinete. Pelo visto, a rainha Marianna relutava em anunciar que ela tentara casar a princesa-
herdeira com um feiticeiro e que a princesa o abandonara no altar.
A Guarda saiu em grande número e revirou a cidade e o interior em busca de algum vestígio
da princesa voluntariosa. Ao encontrar-se com o pequeno gabinete, a rainha Marianna
demonstrou temer que os mesmos bandidos cruéis que atacaram Averill e Edon Byrne poderiam
ter raptado sua filha. De acordo com as informações de Averill, a rainha estava transtornada, e
Mellony, inconsolável. Raisa sentia pontadas de culpa, mas a ideia de que ela já poderia estar
casada com Micah Bayar as diminuíam consideravelmente. Ela estava satisfeita por saber que
Gavan Bayar parecia querer incinerar alguém; ele apenas não tinha o alvo certo.
O outono chegou cedo nas Montanhas Espirituais. Um sopro no ar demonstrava que o
inverno não estava muito longe. As folhas nos álamos balançavam sob a brisa do norte e
reluziam em dourado, elevando seu ânimo. Desde sua volta à corte, Raisa sentira-se como uma
ovelha em um curral, conduzida insistentemente ao longo de uma trilha que se estreitava até um
local ao qual ela nunca quis ir.
Agora ela deixava Fells pela primeira vez e descia rumo às estranhas terras baixas além da
fronteira. Ela sabia muito bem a gravidade da situação; sabia que corria riscos, embora não
pudesse deixar de desejar escapar dos limites da vida na corte. Ela poderia aprender mais em Vau
de Oden do que jamais aprendera sob a proteção do lar. Mais uma vez, ela se aventurava com
Amon, mas era um novo Amon, mais intrigante que o velho e que representava um tipo
diferente de risco.
Qualquer coisa podia acontecer, pensou ela. E pensar assim a agradava.
Amon fora estranhamente reservado e formal durante o tempo no Campo Demonai. Eles
haviam passado horas incontáveis em reuniões com Elena e Averill. Quando não estam em
reuniões, ele a instruía no manejo da espada, pois essas armas não eram usadas nos Campos das
terras altas. Ele empurrava seus ombros para trás e apertava sua cintura para melhorar sua
postura; passava os braços ao redor dela e segurava-a no cotovelo e no pulso para corrigir seu
equilíbrio, mas ele bem podia estar cavalgando esportivamente.
Em alguns dias, ele parecia mal-humorado - tão contido, tão rigidamente controlado
quanto o pai.
Raisa suava durante as exaustivas lutas de treinamento com a Alcateia, enquanto Amon ficava
a seu lado e gritava para ela: "Vamos! Levante a espada! Não o deixe entrar! Mova-se! Mova os
pés!" Ela não podia evitar o fato de que o alcance de todos os outros era maior do que o dela. Ela
treinava até não mais conseguir erguer os braços, depois caía exausta na cama.
O cansaço não era o único obstáculo ao romance. Quase parecia que Amon evitava ficar
sozinho com ela. Ainda assim, Raisa era uma pessoa naturalmente otimista. Não tinha havido
mais beijos, mas isso não significava que não haveria no futuro.
Como se tivesse sido chamado pelos pensamentos dela, Amon guiou o cavalo até ela, com a
brisa soprando seus cabelos escuros.
- Pretendo continuar andando para podermos estar bem avançados no caminho para o
Campo Galho do Norte ao anoitecer. Vamos comer o almoço na montaria. Não quero chamar a
atenção para nós chegando no meio da noite.
- Sim, senhor - retrucou Raisa e tentou acostumar-se a se referir a ele como seu oficial
comandante. Por sua vez, Amon parecia sentir um certo prazer perverso em lhe dar ordens.
Portal Ocidental seria o primeiro teste de seu disfarce. Eles estariam procurando por ela na
fronteira dos Pântanos. A ideia era, ao mesmo tempo, assustadora e emocionante.
Curvando-se sobre o pescoço de seu cavalo, ela diminuiu a velocidade de Switcher até um
galope.
Praticamente no mesmo instante, centenas de quilômetros a leste, Han Alister e Dançarino
de Fogo partiam do Campo Pinhos Marisa a cavalo nos robustos pôneis da montanha que o clã
lhes oferecera. Eles partiram sem anunciar, quase furtivamente, em uma hora conhecida somente
por aqueles do clã que lidavam com Han. Eles poderiam ir para o Oeste por Pântanos Gélidos,
ou para o sul através de Tamron, mas isso os faria passar pelo Campo Demonai e pelos guerreiros
que desaprovavam enfaticamente a sua missão.
Então eles haviam decidido ir até o sul e preferiram se arriscar com os bandidos que
perambulavam e a guerra que crescia em Arden do que com os guerreiros Demonai em solo
natal. Era a coisa prudente a se fazer.
Ainda assim, Han sentia uma pontada de dor e arrependimento, o fardo das palavras que não
foram ditas. Sabiá partira para o Campo Demonai na noite da reunião entre os Campos. Era
impossível dizer quando ele voltaria a vê-la.
O clã fora generoso com seu novo campeão - o pônei fora um presente, assim como a sela e
os acessórios, além de uma adaga, uma espada e um arco fabricados pelos clãs. Han vestia uma
capa nova e fina por causa da chuva e o dinheiro tilintava na algibeira que ele trazia na cintura.
Dançarino foi igualmente bem-equipado. Ele estava com um raro bom humor, ria, brincava
e inventara nomes novos para Han que refletiam sua agitação. Nomes como Caça-Feiticeiros,
Perdição dos Magos e Sir Hanson Taca-Bruxaria, Salvador dos clãs.
Dançarino, por sua vez, parecia satisfeito por deixar Pinhos Marisa e seus cochichos para trás.
Talvez, longe do solo familiar, fosse mais fácil fingir que nada mudara.
O amuleto de Elena pendia de uma corrente de prata ao redor do pescoço de Han: um arco
de caçador entalhado com destreza em jaspe e jade. Ele o exibia para todos verem. Mas, por
baixo da túnica, o amuleto de olhos vermelhos sibilava contra sua pele e constantemente bebia
sua magia e a armazenava.
A dor de suas perdas era uma lâmina em seu coração, mas ela tinha diminuído com o tempo,
de modo que ele mal a percebia. Sua culpa era outra coisa, mas ele aprenderia a viver com ela
também.
Atrás dele, encontrava-se Fellsmarch - uma cidade que o devorara e cuspira como um caroço
de pêssego. Ele também deixava para trás os Campos das terras altas onde passara quase todos os
verões de sua infância e a tradição dos clãs que ocultaram o segredo de seu nascimento
privilegiado.
À frente encontravam-se as terras baixas do sul, Vau de Oden, e os professores que tinham as
chaves para o poder que ficara latente dentro dele por tanto tempo.
Ele sabia de uma coisa: estava cansado de ser impotente e indefeso para ajudar e proteger
contra os feiticeiros e sangues-azuis que governavam no Vale aqueles de quem gostava. Ele
pretendia mudar isso. Esses eram seus planos e, por enquanto, coincidiam com os dos clãs.
Pela primeira vez em muito tempo, ele tinha um objetivo, um caminho adiante e um foco
para sua incansável energia.
- Anda, Dançarino - falou ele e sentiu-se otimista pela primeira vez em muitos dias. -
Vamos ver se estes pôneis podem nos levar até o Campo do Andarilho antes do cair da noite.



NOTA:
Bem chegamos ao final do livro espero q tenham gostado.
Vobesta postando o livro dois amanhã o nome a rainha exilada.

OLHA EU VO TA POSTANDO UMA FIC DIFERENTE AQ VAI SER ALGO BEM diferente DOQ EU COSTUMO LER MAIS VCS VAO GOSTA MUITO( ACHO Q ALGUNS VAI CHORAR). ASSIM Q EU POSTA " A RAINHA EXILADA" EU POSTO ELA.
BEIJO E UM ABRAÇO. FUI...

O Rei DemônioOnde histórias criam vida. Descubra agora