Perdas

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Todo mundo um dia na vida já perdeu alguém que era especial, e nunca vai ser fácil lidar com perdas, não importa a idade que você tem, se você é branco, negro, pardo ou asiático, nem mesmo homem ou mulher, a dor é a mesma, para qualquer um.

Eu nunca soube muito bem como lidar com perder as coisas, seja coisas materiais até pessoas. Sempre me sentia frustrada quando criança, que perdia algum acessório para alguma boneca minha, e quando adolescente, que minha unha postiça se soltava e eu nem via, provando que eu era uma farsa. E mesmo hoje sendo adulta, sendo mulher, nada muda. Parece que as coisas te atingem mais e você é obrigado a lidar com isso. O que mais sinto falta de ser criança, era a minha inocência, de quando eu brincava com a minha avó, pensando que ela seria eterna, e como era bom ter todo aquele carinho vindo dela, e eu era tão iludida por pensar que isso nunca acabaria. Porém acabou, e hoje eu estou em pedaços.

Ela foi uma das pessoas que mais me amou na vida, orientou, apoiou e sempre queria me ver crescer, tanto fisicamente, como mentalmente, espiritualmente e assim vai. Minha avó era mística, tinha todo um passado cigano, e eu era maravilhada com as histórias que ela me contava quando pequena, eu queria aquilo tudo para mim um dia, saber ler a sorte de alguém e prever o futuro deveria ser o máximo. A ideia manteve fixa na minha cabeça até meus 16, quando comecei a ver que isso não dava futuro e que eu não tinha o dom que a minha avó tinha, então eu simplesmente deixei tudo isso de lado. Meu avô também era assim, tinha todo aquele "sexto sentido", minha mãe nunca se expressou muito bem sobre isso, ela não conversava esses assuntos comigo, e meu pai, bem, ele era igual a minha mãe. Eles não se manifestavam muito sobre nada, as vezes acho que fui trocada no hospital, ou que minha mãe tenha sido, ela não se parecia nada com a vovó, e eu não me parecia com ela.

Pelo fato deles serem desligados demais, eu comecei a conquistar as coisas com as minhas próprias pernas. Eu fui para a faculdade e já estou no meu último ano, com um estágio em tempo integral em um jornal da minha cidade, só esperando a chance perfeita para ter a minha própria casa, é algo que quero desde que comecei a trabalhar, e venho juntando um dinheiro desde então.

Lembro que pouco antes da minha avó morrer, na última semana que estive com ela, ela brincou comigo falando: "Olívia, minha neta, por que não vem morar aqui?". E eu assustada, apenas disse que era difícil eu sair da casa dos meus pais agora, apesar de amar o apartamento da vovó, a localização era ótima e a vista maravilhosa, eu sempre ficava inspirada ao ver o pôr do sol com ela na varanda.

Cheguei em casa exausta do trabalho, passei pelo quarto da minha mãe e percebi que ela estava sentada pensativa na cama, pude ver que segurava um envelope. Tentei chegar de manso e perguntar o que era, ver minha mãe quieta e calada, com uma expressão perplexa, era algo novo para mim.

- Mãe, tá tudo bem? – Cheguei perto dela e sentei na cama, ela parecia em transe.

Demorou uns 10 segundos pra ela perceber que eu estava ali.

- Está sim, é que chegou essa carta pelo correio hoje, e é da sua avó.

Imaginem o susto que eu levei, como assim uma carta da minha avó? Ela tinha morrido, era algum tipo de pegadinha? Tentei pegar a carta para ver o que era, e minha mãe me impediu.

- Ela está dando o apartamento dela para você, além de ter feito um testamento dizendo exatamente o que pertence a cada um e o que devemos fazer com as coisas dela.

- Ela o quê??? - Eu não conseguia acreditar no que minha avó tinha feito.

- Tem mais. Ela disse para lermos essa carta com todos da família, que era muito importante. Não entendo porque sua avó tinha dessas coisas.

Minha mãe nem sequer levantou o olhar na minha direção. Eu sei que toda aquela grosseria era o luto, e eu também estava passando por isso. Ela esteve sempre tão focada no trabalho que esqueceu da família, esqueceu de mim, e era por isso que eu era tão apegada a minha avó, e quando eu dizia isso a ela, tudo o que ela dizia era: "Calma minha filha, isso é característica forte do signo da sua mãe, a vida toda ela foi assim, um dia ela irá mudar." Eu ouvi isso quando tinha uns 14, já se foram sete anos e nada. Eu achei que talvez com a morte do vovô a dois anos atrás pudesse mudar alguma coisa nela, mas nada.

Depois desse momento tenso, fui para o meu quarto pensativa, tentado entender qual era o propósito da minha avó ao fazer isso. Eu já podia imaginar a briga que isso iria causar, meus tios sempre foram muito gananciosos, e eu sei que a vovó não tinha nenhuma herança milionária que os deixariam ricos do dia para a noite, porém, qualquer chance de lucro, eles faziam de tudo.

Não pude acreditar que aquela simples conversa que tive com ela era um presságio! E agora eu fico com a dúvida: será que ela sabia que ia morrer? Não pode ser mera coincidência, não vindo da minha avó. E na verdade, por incrível que pareça, as coisas começavam a fazer sentido. Me lembrei que antes de me despedir dela pela última vez, ela me disse: você vai ser muito feliz aqui minha neta, e me deu aquele olhar que refletia amor puro, aquele olhar que só ela tinha e me aquecia o coração.

Minha avó já me disse muitas coisas, e dentre meio essas muitas, uma até hoje me intriga: "Você tem o dom Olívia, saiba usar ao seu favor." Eu sempre tive vontade de saber que dom era esse, mas agora era tarde demais.

Já sabia que o resto dessa semana seria tensa e interessante, não conseguia me apegar a ideia de morar no apartamento da vovó, mas por que não?

Esse era apenas o começo de uma nova fase na minha vida, e eu ainda não tinha noção da imensidão de coisas que estavam por vir.

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