Um novo tempo

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Lá estava eu, na semana seguinte, indo no apartamento da vovó. Era difícil entrar lá, porque até então ninguém tinha ido, tudo estava do mesmo jeitinho desde o dia de sua morte, a cama bagunçada, os móveis arrastados para que a maca a pegasse, tudo isso só machucava mais. Sentei um pouco no sofá, tomando coragem para dar uma ajeitada em tudo, arrumar a cama, limpar a geladeira e as coisas. Os móveis da minha avó não eram aquelas coisas antigas, era tudo bem arrumadinho, tudo bem que a cama eu trocaria, era a minha avó, mas ainda sim seria estranho, certo?

Respirei fundo e andei em direção ao quarto, parando um instante na porta, toda a situação era estranha, eu já tinha enfrentado essa dor antes, eu já tinha perdido o meu avô, mas ir na casa de alguém e saber que a pessoa não vai estar lá e nem nunca mais vai estar, é totalmente apavorante. A vontade de chorar apareceu e eu tive que me conter. Eu me sentia uma intrusa ali, me sentia vigiada.

Comecei a arrumar o quarto aos poucos, arrumei a cama, dei uma olhada pela janela, respirei fundo mais uma vez, e abri o armário com as roupas dela, eu iria doar. Era pouca roupa, e eu pensei em doar para algum asilo, ou algo assim. Tinha várias caixas, resolvi ver o que tinha dentro. Tudo o que achei foram joias, fotos dela e do vovô, outra caixa cheia de cartas, e uma lá no fundo, que tinha um caderno. Não era um simples caderno, era um diário. Fiquei surpresa em saber que a vovó o tinha, eu estava curiosa para ler. Acabei de ajeitar tudo e comecei a imaginar como seria morar ali, e com certeza, seria incrível. O apartamento era pequeno, mas suficiente para uma pessoa. Eu estava muito empolgada com a ideia.

Já saindo do apartamento, esbarro em alguém sem querer.

-Ah, me desculpe! Eu não te vi. -Parei e olhei para quem eu tinha acabado de esbarrar, era um homem.

-Opa, cuidado. Não tem problemas. - Ele sorriu para mim e continuou. - Ah, o que aconteceu com a senhora que mora aí? Tem dias que não vejo ela.

-Ela é minha avó, faleceu tem duas semanas.

-Nossa, eu sinto muito.

-Tudo bem, logo a dor passa. -Sorri sem graça. Fui andando em direção a porta quando ele me chamou.

-Ei, eu sou o Léo, prazer.

-Olívia. -Sorri para ele e fui embora.

Ainda era meio da semana e eu tinha que tirar do apartamento o que eu não guardaria, como as roupas da vovó, a cama e algumas outras coisas que tinham lá. Como eu não precisaria pagar o aluguel, todo o dinheiro que eu estava juntando, daria para comprar algum móvel novo, e fazer a pintura, além de decorar como eu queria.

Pedi ao meu chefe os últimos dias da semana para me organizar, eu faria tudo sozinha praticamente, mas claro, meus pais me ajudariam, e já me deram a cama como presente.

Quinta de manhã lá eu estava, na minha nova casa, quando eu entrei me vi perdida, era muita coisa para arrumar, tinham muitos papéis nas gavetas da cômoda, era esvaziar o guarda roupa, limpar o chão... não sei quantos dias levaria para organizar e colocar tudo no lugar. Tirar tudo o que era da vovó para sempre, doía, e era tudo tão estranho, eu tenho certeza que na minha primeira noite dormindo aqui, eu não vou me sentir nada confortável. Passado quase duas horas, eu já tinha arrumado muitas coisas, a maioria das roupas já estavam nas caixas, agora era só levar para o asilo, e os papéis, bem, eu veria com a minha mãe se algum tinha importância. Deixei o quarto arrumado para amanhã, pois viriam montar a minha cama, aproveitei e troquei a cortina, pintei as paredes, sim, eu mesmo pintei. Pelo menos um cômodo estava pronto.

 Agora seria hora de ir para a cozinha, era outro lugar cheio de coisas. Minha avó tinha muito chá, e leite de soja, além de umas frutas secas, ela era toda ecológica e sistemática com essas coisas. Tudo isso foi para outra caixa. Fiquei abismada em ver que ali não tinha nem arroz, feijão ou carne. Claro, tinha um arroz, só que era integral de soja! Minha avó se alimentava da luz do sol?! Acho que sim. E assim lá ia, biscoitos água e sal, de soja, integrais, com grãos disso e daquilo, por um lado foi bom ver que a minha avó levava uma vida saudável, talvez esse seja o resultado de ter vivido tantos anos. Tudo isso foi para uma caixa. Agora eu precisaria fazer compras urgente.

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