Certas frases podem marcar nossa vida para sempre, e é engraçado como algumas delas simplesmente acham o momento exato para fazerem sentido. Minha avó, só para variar, me disse uma vez que nenhuma pessoa entra em nossa vida por acaso, que, não importa o tempo em que ela permaneça ali, sempre tem algo a ensinar.
No início eu via a presença da Bia como algo ameaçador, me intimidava, e tudo que vinha dela eu interpretava como energia negativa, mas também há aquele ditado que as pessoas podem mudar, e esse foi um dos casos. Depois de deixar a minha resistência de lado, decidi jogar aberto com ela.
- Bia, por que você está aqui? Eu não quero mentiras, seja sincera, eu pude sentir através do nosso toque.
- Ah, então você já sabe... demorou muito para descobrir? - Ela riu sarcasticamente.
- Só fala, tá bom?
- Que seja! Minha vida ia de mal a pior, eu estava sem rumo e em um beco sem saída, arrumei confusão com o meu ex namorado, e ele não tinha uma índole muito boa. Eu me desesperei porque eu estava sozinha Olívia. - Ela respirou fundo. - Minha mãe foi para um retiro budista para encontrar a si mesma, até ela mudou e eu continuei na mesma. Nem todos seguem o bom caminho com o Dom sabia? - Ela deu de ombros.
- Eu sinto muito, sério mesmo. Você está fugindo do seu ex namorado?
- Não, eu vim para cá devido a carta da vovó.
Eu que me encontrava sentada no sofá de pernas cruzadas, me ajeitei em um pulo. Por que a vovó teria o trabalho de mandar uma carta para ela? E por que me procurar?
- O que ela disse?
- Ah, como sempre, tinha lá suas mensagens enigmáticas. Espera um momento que eu tenho ela aqui.
Ela foi até a bolsa, e retirou um envelope de cor goiaba, mesma cor que percebi predominar no anel e também no seu colar, gostaria muito de saber o que significava. Ela voltou até o sofá e me entregou o envelope um pouco amassado. É tão a cara da vovó fazer algo desse tipo, eu não sei chorava ou ria, depois de dias sem receber nenhuma carta. Eis que continha a seguinte mensagem:
"Entre os vários laços que vamos criar ao longo da vida, o familiar é aquele que nunca se desfaz, se caso de ajuda precisar, a Olívia poderá te ajudar."
- Você faz alguma ideia por que eu?
- Eu queria mesmo ter a resposta para essa pergunta. Estamos afastadas a tanto tempo que sinto que nem te conheço mais. Ainda está um pouco perdida?
- Um pouco? Muito! Claro que agora eu já tenho uma noção bem maior, tento nem pensar as vezes.
- A vovó me ligou pouco antes de morrer. - Ela parecia mesmo triste com a morte da vovó.
Um silêncio se instaurou pela sala. Eu comecei a encará-la e senti minhas bochechas ficarem vermelhas, senti meus olhos marejados, porém não fui capaz de mover um músculo sequer.
- Eu sei que é um choque, foi para mim também. Ela disse que se caso eu não mudasse, traria consequências terríveis. Imaginei que você pudesse me ajudar, sempre foi a boazinha que perdoava mesmo que aqueles que pisavam no seu pé. Nunca entendi como você podia ser tão empática assim sem querer nada em troca. Mas por incrível que pareça, descobri algo muito óbvio, a solução dos seus problemas sou eu.
- Eu acho que nunca consegui retribuir com o maldade que os outros me tratavam. Mas Bia, qual é o sei dom?
- Ah, eu escuto, eu vejo e eu sonho. Você sabe que a nossa família sempre foi muito ligada a tudo isso, então desde pequena eu cresci lendo sobre e me preparando. Eu sempre soube que tinha algo de diferente comigo, eu tinha "amigos imaginários" além da conta, e ninguém nunca via ou ouvia essas pessoas como eu. Era assustador!
- Acho que eu entendo bem a parte do assustador. E como isso se tornou algo ruim para você?
- Então, talvez seja algo que você não sabe ainda, mas nesse processo todo, existe pessoas, ou melhor, espíritos entre nós, que nos influenciam tanto para o bem, quanto para o mal...e eu me deixei levar por esse lado. Eu não me sinto nada orgulhosa Liv. - Ela colocou o rosto entre as mãos, parecendo aflita e arrependida.
- Liv, eu não estou aqui para te prejudicar, pelo contrário, se foi a vovó que nos uniu não tem porque temer. Eu estou aqui para te ajudar, por favor, me dá uma chance. - Seus olhos tinham um tom de súplica, mas também de verdade.
Ao pegar na minha mão, senti o mesmo frio na espinha que sinto com o Léo, porém, foi diferente, eu senti a verdade, como um sexto sentido. Eu decidi acreditar na Bia. A abracei para mostrar que estava tudo bem e ela começou a chorar, senti meu olhos lacrimejarem também. Depois de um tempo recuperamos nossa postura e decidimos abrir uma garrafa de vinho.
Desde pequena vovó sempre me disse que eu tinha uma alma pura, onde não tinha mal algum no meu coração, mas isso é algo que nossos pais e avós falam não é mesmo? Para crescermos acreditando que somos bons, mas não é bem assim.
Naquele dia, eu e a Bia conversamos por muito tempo, lembrando da nossa infância, e como deixávamos minha mãe furiosa ao esconder as coisas, e depois esquecer onde colocou, levando dias, e até meses para encontrar. Ela me disse coisas que eu já sabia através das cartas da vovó, que o tal famoso dom, era algo que todos tinham, mas as vezes por medo, ou falta de sabedoria não conseguiam desenvolver.
Comecei a ver a vida com mais tranquilidade e leveza. Confesso que no início imaginei que minha vida seria igual de filmes e livros, cheio de magia e mistérios, que teria várias reviravoltas e com toda a certeza teria alguém armando algo contra mim, e no fim das contas, a minha alma gêmea salvaria minha vida e o dia, fechando com um grande e clássico final feliz. Ah, o doce engano adolescente. O que eu realmente não tinha entendido até então, talvez estivesse negando esse tempo todo, era que haviam muitos mistérios que eu ainda não conhecia, e muitos outros que eu nunca saberia, assim como minha avó.
Depois de umas semanas com a Bia lá em casa, tudo estava bem tranquilo, até que uma situação bem engraçada aconteceu, e me deixou um pouco balançada.
- Liv, deixa eu te perguntar. Você gosta do Rodrigo?
- Ué, sim. Mas, por que a pergunta?
- Eu senti que, bem, vocês não foram feitos um para o outro. Como chame seu vizinho mesmo? Ah é mesmo, Léo, certo? Vocês tiveram algo? Porque eu pude sentir de longe a energia emanando de vocês.
Fiquei boquiaberta por alguns segundos. A uns dias atrás nós duas tínhamos ido ao supermercado, e na hora que estávamos entrando, o Léo estava saindo. Foi um momento estranho, pois me senti desconfortável ao apresentar os dois.
- Ah Bia, eu e o Léo já passamos por tanta coisa, que, eu desisti de acreditar que algo ali podia dar certo, mas o Rodrigo veio e sinceramente eu gosto de onde estamos hoje, o Léo é muito... complicado.
Foi naquela noite, onde descobri que as aparências enganam, nem todos mudam, que o sexto sentido, mesmo não sendo seu, pode estar certíssimo, e que até o mesmo o coração mais puro não suporta tamanha traição.
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Através do Tempo
RomanceCapítulos semanais. :) O livro tem um blog sabia? Entra lá para conferir detalhes exclusivos da história! https://annalfp13.wixsite.com/atravesdotempo Olívia, uma jornalista de 21 anos acaba de perder a sua avó. Enquanto arrumava as coisas da casa...