Fiquei em dúvida se eu deveria esperar pelo Léo para lermos a carta juntos. Depois desse tempo afastados, percebi que o queria fazer presente em minha vida em tudo que se relacionasse a minha avó, afinal, se a previsão dela for realmente para nós dois, ele vai ser alguém que irá me ajudar e dar todo o apoio. Porém, eu estava esquecendo de um pequeno detalhe, ele tinha voltado com a Nicole, e talvez eu estivesse com ciúmes, e também querendo saber mais sobre o que tinha acontecido.
Assim que ouvi a batida na porta, corri para abrir, e era ele.
-Oi! De novo! - Ele disse sorrindo, e eu sorri de volta.
Assim que nos sentamos no sofá, eu não consegui conter a minha curiosidade sobre a nova relação dele. Sem rodeios eu perguntei:
- Então você e a Nicole voltaram...como isso aconteceu exatamente?
- Pois então, assunto delicado esse, não é? - Ele levou a mão na nuca e ficou cabisbaixo. - Depois de, bem, você ter me pedido um tempo, eu fiquei bem chateado, e ela acabou aparecendo no meu apartamento para pegar algo que esqueceu aquele dia na festa. Eu tinha aberto um vinho e ela me acompanhou em algumas taças. Acho que o fim você pode adivinhar...
Eu não sabia o que falar, afinal, eu realmente precisava de um tempo para processar tudo, mas esse tipo de desculpa clichê nunca colou pra mim.
- Mas, isso é sério? - Disse, encarando-o para tentar identificar qualquer vacilo em sua expressão que pudesse me tranquilizar que talvez esse relacionamento não fosse durar.
- Ah Oli, eu não faço ideia, nós conversamos muito sobre isso, e ambos erraram antes, ela disse que iria tentar mudar para fazer dar certo dessa vez, eu só concordei, não sabia quanto o seu "tempo" iria durar.
Não queria admitir, mas no fundo eu entendia, nós não poderíamos nos privar e limitar devido a uma previsão da minha avó, até porque, se isso já estivesse "escrito nas linhas do destino", teria milhões de situações para acontecer que pudesse mudar o caminho das coisas...certo?
- Hm, entendi. Mas então, vamos falar do que interessa. O que mais a minha avó falou para você aquele dia?
- Depois que eu fiquei em choque com todas as revelações? - Ele estava fazendo graça, tentando amenizar a situação que era tensa - Ela falou que suas previsões quase nunca erram e que eu deveria estar atento, ela me deu um papel, com duas freses, porém está em uma língua que eu não reconheço, tentei até pesquisar, mas foi sem sucesso. - Ele tirou um papel de cor roxa do seu bolso e me entregou.
Li as frases e nada fez sentindo para mim. Mas naquele momento me lembrei de uma vez que, minha avó tinha me dito que os ciganos tinham sua própria língua, algo que hoje já não era tão usado, mas que servia para conversar em códigos caso precisassem. Nesse momento, corri até o armário estante e peguei um dicionário que vovó tinha feito com algumas palavras e expressões ciganas. Ela sempre me disse para ler e praticar, que um dia seria muito útil.
Tudo que a minha avó sempre me disse um dia parece peças de um quebra cabeça misturadas, onde agora, cada uma está achando o seu lugar.
Depois de meia hora, finalmente conseguimos traduzir as duas frases. Não dava para ser considerado uma revelação, mas com certeza tinha sido algo lindo que vovó escreveu para o Léo.
"Parikerav tut vas tiro lacho ilo! = Obrigado por seu coração bondoso! "
"Me mangav tuke baxt! = Desejo-lhe sorte!"
Eu me emocionei sem ver, e só fui perceber quando o Léo enxugou algumas lágrimas que rolavam pelas minhas bochechas quentes. Também reparei que seus olhos estavam marejados. Queria poder abraçá-lo para me sentir melhor, mas agora, muito havia mudado entre nós, eu não podia alimentar um sentimento tanto meu, quanto da parte dele.
- Ah Léo, eu me sinto tão perdida. As vezes não sei quais são os planos da minha avó com tudo isso, sinto que é injusto ela partir e me deixar sozinha nessa jornada, apesar de sempre sentir que ela está presente, a todo momento. Mas, mudando de assunto...- enxuguei mais um pouco das lágrimas e respirei fundo, sorrindo - Tem quanto tempo que vocês voltaram?
- Então, apenas uma semana. - Ele deu um gargalhada e eu também não pude evitar.
- O que é isso? - Olhei e ele estava apontando para carta de vovó em cima da mesinha de centro.
- Venho recebendo cartas da minha avó, essa é a segunda na verdade. Eu quis esperar por você para lermos juntos. Quero dizer, não quero passar por isso sozinha. -Olhei em seus olhos e segurei sua mão, em busca de apoio.
- Oli, mas é claro! Eu faria de tudo para te ajudar. - Ele apertou minha mão - Posso começar a ler?
- Por favor! - Disse sorrindo.
" Querida Olívia,
Espero que esse mês que se passou desde a minha morte, tenha ajudado a acostumar com a minha ausência física (eu nunca te abandonaria minha neta). Eu entendo que você se sente perdida e confusa, mas não está sozinha nesta jornada. Preciso que se lembre das coisas que sempre te dizia, talvez te ajude em alguns momentos.
Você guardou a chave que te dei na minha última carta? Ela irá abrir uma caixinha que chegará em alguns dias. Eu espero ansiosa por este dia, pois lá estará a resposta para todas as suas perguntas, e então, finalmente, você compreenderá a sua missão.
O seu amor já apareceu não foi? Ah minha neta...como eu queria estar aí para abençoar esta união! Há anos que eu venho esperando por isso, e sabe por quê? O amor é o único sentimento que pode ser sentido, mas nunca explicado. Ele é puro, não olha cor, dinheiro ou aparência, e o melhor de tudo: ele é SUBJETIVO. Não é incrível pensar que tudo o que sente é único? E é exatamente isso que nos torna quem somos.
Enfim, não quero ficar me esticando, esta carta é só para te lembrar de algumas coisinhas importantes. Não esqueça de continuar lendo o meu diário, aquele é um espaço rico de memórias e histórias importantes, que dizem muito a respeito de você.
P.S. Cada passo, palavra e ação, precisam ser feitos a partir do coração.
Um abraço apertado e com cheirinho de lavanda, na minha querida neta!
Até nos sonhos minha querida, até mesmo os mais lúcidos."
Não sei como o Léo teve fôlego de ler até o final sem pausar e me olhar. Eu me sentia intrigada com tudo que vovó tinha falado na carta. Mas naquele momento, ambos tínhamos uma única certeza, não poderíamos ignorar uma força que era maior que nós, não importa os obstáculos ou se estava ou não predestinado, só precisávamos sentir.
Foi então quando nossos olhares se cruzaram, e em uma fração de segundo, eu senti o toque dos seus lábios no meus, e eu pude ter a certeza que eu nunca havia me sentido daquela maneira antes. Não existia nada ao nosso redor, era um sentimento avassalador, literalmente único e subjetivo.
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Através do Tempo
RomanceCapítulos semanais. :) O livro tem um blog sabia? Entra lá para conferir detalhes exclusivos da história! https://annalfp13.wixsite.com/atravesdotempo Olívia, uma jornalista de 21 anos acaba de perder a sua avó. Enquanto arrumava as coisas da casa...