Sentimentos

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Você já teve alguma sensação que não conseguiu explicar em palavras? Que até tentou gesticular o máximo que conseguisse, mas ninguém conseguiu descobrir a palavra certa para descrever aquilo? Pois então, era assim que eu me senti naquela sala, sentada no sofá, beijando o Léo. Talvez agora eu sabia que existia sim isso que eles chamam de química, e um certo ímã, que te atraí de tal forma a alguém que a impressão que você tem é que não será possível separar. Eu também poderia dizer que estava vivendo em um conto de fadas, ou que estivesse entorpecida com alguma droga, porque eu simplesmente não raciocinava, eu fui sendo guiada pelos meus instintos, cada terminação nervosa do meu corpo tinha sido excitada e eu me sentia em chamas, sem ar. Mas posso dizer que foi uma das melhores sensações da minha vida, até agora.

Depois de um tempo, após conseguirmos nos recompor, ficamos simplesmente parados olhando um para o outro, igual dois bobos, não conseguíamos dizer uma palavra sequer, mas esse momento de transe precisava ser quebrado.

-Léo, nossa... - eu comecei a falar, cabisbaixa. Ele me interrompeu antes que pudesse continuar a minha frase.

- Não diga nada, não quero estragar esse momento. Mas, eu preciso ir, depois a gente conversa Oli.

Ele simplesmente levantou e saiu sem dizer mais nada. Eu fiquei ali, sentada que nem uma idiota, olhando para o nada, ainda tentando assimilar o que tinha acontecido, com um turbilhão de pensamentos invadindo a minha mente.

Será que eu tinha feito algo errado? Eu sentia o meu cordão quente no pescoço, a sensação era de que estava apertado, me sufocando, sentia com falta de ar. E foi então que comecei a chorar. Toda a minha vida tinha virado de cabeça para baixo e eu achei que estava tudo sob controle, que eu conseguiria lidar com isso muito bem, mas não. Tenho certeza que este drama não estaria acontecendo agora se todo esse meu passado e futuro místico não estivesse envolvido. Por que? Mas espera, foi só a droga de um beijo, para que fazer tempestade em copo d'água por isso?

Mas no fundo eu sabia que não era só por isso, tinha a previsão da minha avó, então, no fim, tinha muita coisa em jogo agora. Resolvi me acalmar e beber água, decidir ler o diário da vovó, ela disse na carta que ele me ajudaria muito, e talvez agora fosse um bom momento para arejar um pouco a minha cabeça, com o Léo eu lidaria depois, mas não dependia apenas de mim. Decidi seguir a minha intuição e abri em uma página aleatória.

"14 de setembro de 1939

Querido diário,

Queria poder dizer hoje, igual escrevi em dias passados, que estou feliz por talvez ter encontrado o amor da minha vida, mas sabemos que nessa nossa longa jornada da vida, as vezes haverá muitos obstáculos para alcançar a felicidade plena, se é que ela realmente existe. Nunca achei que este meu dom fosse ser algo que um dia me impedisse de ter o que quero.

Eu não posso negar quem eu sou, e muito menos fingir que isso não faz parte de mim, e de quem sempre serei. Isso é algo que não dá para apagar ou ignorar, eu amo o meu dom e não penso em abrir mão por conta de um amor para vida toda. Mas você sabe o que me aflige? Eu sei que tenho apenas 21 anos, mas o que eu senti posso dizer que foi mágico, direto de um conto de fadas, único e inexplicável. Creio que posso afirmar que ele sentiu o mesmo, pela voracidade em que retribui o beijo, e também pelo brilho em seus olhos e o sorriso no final.

Não quero acreditar que este meu dom seja um fardo para a realização do nosso amor, pois foi isso que ele me disse, em outras palavras. Disse que era muito para pensar agora, me deixando sozinha debaixo daquele ipê amarelo, com o lindo pôr do sol, e lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Independentemente do que acontecer daqui para frente, guardarei este momento para sempre comigo, eternizado no meu coração. Pois tem uma coisa que aprendi, esta semana mesmo: certas coisa tem um tempo certo para acontecer, não adianta apressar, e nem querer que sejam no meu tempo, nós não temos controle sobre isto, o que nos resta apenas é esperar, e continuar vivendo o mais plenamente possível, porque não se pode alterar a linha do destino, se é para ser, lá estará escrito, é só confiar."

Assim que terminei, senti um calafrio percorrer toda a minha espinha, eu não podia acreditar no que estava lendo. Era como se alguém tivesse escrito o que tinha acabado de acontecer. Olhei para a data no diário, 14 de setembro. Talvez, eu estivesse errada, mas essa era a data de hoje! Peguei meu celular, conferi, e vi que não estava errada. Isso não poderia ser possível, é como se existisse uma linha atemporal entre os fatos que ocorreram com a vovó e que agora aconteciam comigo. Agora tudo faz sentido, e mais uma peça achou seu lugar neste quebra cabeça insano, a vovó não me mandou ler este diário à toa, o meu futuro está nessas páginas! Mas eu não entendo! Qual a graça de tudo isso? Te dar uma vida toda planejada e você ter acesso a isso, como uma bola de cristal?

Me sentindo um pouco tonta, enjoada e de cabeça quente, decidi tomar um banho e esquecer por um tempo sobre o diário, com certeza eu não o abriria de novo até a próxima carta da vovó, pois sei que deve estar por vir mais explicações sobre isso.

Quando terminei o banho, sentei na minha escrivaninha, liguei meu computador e fiquei admirando a vista, eu tinha uma matéria para escrever para o jornal, e por mais irônico que pareça, era sobre os charlatões que hoje existem na indústria, enganando a várias pessoas, "roubando" o seu dinheiro com previsões erradas sobre seu futuro. Com tudo o que tinha acabado de acontecer, e me senti muito inspirada, coloquei o meu coração naquela matéria, onde expressei mais que nitidamente a minha opinião. Eu sei que corria o risco do meu chefe odiar, me mandar embora, pois eu tinha uma coluna sem muito destaque. Mas qual o problema de ousar as vezes? Se eu não tentar, nunca irei avançar, e não digo apenas no meu emprego, isso vale para a vida.

Me sentindo inspirada e determinada, decidi mandar uma mensagem para o Léo, não dava para nos evitarmos por um mês, éramos vizinhos e adultos, precisamos encarar a situação, e não fugir dela.

"Léo, está aí?"

Instantaneamente ele respondeu: "Estou sim."

"Precisamos conversar sobre hoje, não podemos fugir disso."

"Concordo, foi maravilhoso Oli, mas não sei se consigo lidar com isso agora. :( "

"Eu sei que é muito para pensar e que tem muita coisa em jogo, mas não posso ignorar o que senti. Vamos esquecer a previsão da minha avó e só viver."

"A Nic está grávida."

Creio que, se eu não estivesse sentada, eu cairia. Meu coração batia muito acelerado, fui ficando sem ar e senti minhas bochechas ardendo. Corri para a varanda, em busca de ar fresco, e por algo que não me fizesse gritar ou me jogar na cama em lágrimas. E lá estava, assim que abri a porta me deparei com a sua imensidão, toda majestosa, iluminado a noite, lá estava a lua. Me sentei na cadeira de balanço, olhando para ela, me sentindo hipnotizada, achei que era um ótimo momento para conversar com a minha avó, seja lá onde ela estiver e se puder me ouvir, eu precisava de um conforto, um abraço, alguém me dizendo que tudo ficaria bem, e foi assim que me senti ali naquele momento, completamente acolhida pela imensidão da noite, apenas as estrelas e lua para me iluminar.

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