Descobertas

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No sábado daquela mesma semana, minha mãe reuniu todos lá em casa: minha tia Célia, e meus outros dois tios, Afonso e João, junto com meus outros oito primos. Minha mãe fez um jantar como nunca tinha visto antes, e estava diferente, sem aquela expressão sempre fechada e nervosa, minha mãe pela primeira vez parecia calma, e eu sentia uma paz muito grande vindo dela.

Depois que todos comemos, rimos, e aquelas clássicas piadas que toda família tem a tradição de fazer, minha mãe pede a atenção de todos e tira a carta da vovó do bolso.

- O motivo pelo qual chamei vocês aqui hoje, é que a nossa mãe nos deixou uma carta, e gostaria que estivéssemos juntos para ler. – ela se levantou e entregou a carta para mim.

Foi nesse momento que percebi que minha mãe não tinha contado para ninguém o porquê daquele jantar, e eu entendo até, se ela dissesse a verdade, com certeza eles não viriam, meus tios não levavam minha avó a sério, e isso as vezes me irritava muito.

Comecei a ler a carta tremendo, porque até então eu não tinha noção do que estava escrito, e se minha mãe parecia tão em paz, tinha certeza que era algo bom.

"Minha querida família,

É com grande alegria ver vocês todos reunidos, em um momento de alegria, para ler as minhas últimas palavras. Eu sabia que talvez não fosse ser fácil, mas tinha a certeza que Elisa pensaria em algo para juntar todos vocês.

Como sabem, e não era segredo para ninguém, essa carta só foi possível devido ao meu dom, eu sabia exatamente quando a minha missão nesse mundo tinha chegado ao fim, então tive tempo para me preparar e deixar tudo pronto para a minha partida. Ai de mim ser um fardo para vocês após a minha morte, sempre fui uma mulher independente.

Imagino que na cabeça de vocês, meus filhos, já deve existir mil planos sobre o que fazer com os meus pertences, e desde já adianto que cada coisa foi minuciosamente pensada e dividida. O meu bem mais precioso, e hoje de grande valor é meu apartamento, onde vivi por anos construindo minha história de vida, e onde guarda tantas lembranças que seria difícil simplesmente desfazer de um tesouro daquele repleto de enigmas, amor e magia. Por isso, deixo para alguém que vai saber prosseguir e zelar pelo legado da nossa família, que é minha querida neta Olívia.

Irá caber a ela dizer o que será feito com cada coisa presente naquele apartamento. Não questionem a minha decisão, e nem sequer briguem por isso. As coisas são como são, e cada um de nós colhe nessa vida aquilo que plantamos.

E lembrem-se sempre, a maior riqueza na vida não é o dinheiro e nem os bens materiais, e sim, todo o conhecimento passado de geração a geração, e sobretudo, o dom que carregamos em nossos corações.

Por hoje me despeço com muito amor, carinho e saudades de todos vocês, saibam que sempre estarei presente, e que nos encontremos na nossa próxima vida juntos.

De sua eterna mãe e avó,

Teresa."

Minutos de silêncio pairaram sobre a sala, todos se olhavam pasmos com a declaração que eu tinha acabado de ler. Antes que eu pudesse sequer ver, meu tio João levanta e pega a carta da minha mão.

- Isso não pode ser verdade, deixa eu ver se é realmente a letra dela. – ele diz indignado e segura o pedaço de papel com tanta força que começa a amassar.

- E você por acaso sabe a letra da mamãe? – indagou minha tia Célia, revirando os olhos.

Tudo o que eu ouvi durante uma hora, foram acusações, brigas sem fim, gritaria, e tudo pelo que? Ah sim, pelo apartamento da minha avó. Eu tenho certeza que a vovó tinha previsto isso também, e fiquei pensando, o que será que está passando pela cabeça dela nesse momento? Foi então que uma brisa tão forte soprou, que todos na sala arrepiaram de frio, acho que isso foi sinal suficiente para cessar a briga.

Meus tios pararam por um momento, respiraram, e por parecer milagre, viraram para mim e perguntaram:

- Olívia, antes de tudo, você vai querer o apartamento?

Parei por um momento, fiquei cabisbaixa, pensei muito na resposta que iria dar, estava com esse pensamento desde o dia que minha mãe me contou sobre a carta. Certa da minha decisão, levantei da mesa, peguei o envelope da mão do meu tio João, olhei bem no fundo dos olhos de cada um e disse:

- Sim, eu vou ficar com o apartamento, vou guardar com carinho e zelo o bem mais precioso da vovó, e se forem para ficar aqui brigando pelos bens materiais dela, em busca de lucro, eu peço que vocês vão embora.

Nesse momento lancei um olhar para a minha mãe, pensando que ela me xingaria ou algo do tipo, mas ela só sorria, discretamente para mim. Foi nesse momento que percebi, minha vida nunca mais seria a mesma.

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