Não poderia negar que de um mês para cá, minha vida havia mudado da água para o vinho, e sinceramente, eu não estava conseguindo acompanhar o ritmo as vezes. A carta da minha avó teve um impacto muito forte em minha vida, porque até então, tudo o que eu estava fazendo era evitar entender mais sobre o meu passado. Porém, não tinha mais como fugir.
Eu não podia adiar mais um dia sequer sem esclarecer vários pontos com a minha mãe. É óbvio que eu não sei nem por onde começar, por isso que decidi ir direto ao ponto, fazendo com ela deixasse o copo cair e se estilhaçar em mil pedaços no chão da cozinha.
- Mãe, eu preciso saber do seu passado místico. - Ela me olhou abismada, pálida.
Minha mãe sempre se mostrou muito cética para as coisas. Um exemplo é, quando mais nova, via uma série sobre caçadores de fantasmas (baseada em fatos reais), eu ficava morrendo de medo e toda arrepiada quando conseguiam capturar algum som, ou sombra...enfim, ela sempre dizia que isso não existia. E é aí onde eu não entendo. Se o anel deve ser passado a cada geração, era óbvio que a vovó tinha comentado com ela sobre o misticismo. Só queria saber porque ela negou tudo isso.
- Olívia, não sei se agora é um bom momento para isso. - Disse ela, se aprontando para juntar os cacos de vidro.
- Então quando será mãe? Já se passaram 21 anos! Quer deixar passar quantos mais? Se for por conta do luto, eu entendo, NÓS estamos no mesmo barco! E ainda mais agora, que recebi uma carta da vovó e... - Ela não me deixou completar a frase.
- Que carta? Não acredito que sua avó fez isso. - Disse, sentando em uma das cadeiras.
- Por que? Ela não deveria?
- Olívia, é melhor você se sentar. - Ultimamente, eu ouvia muito isso.
- Sei que você deve estar cheia de dúvidas... - Ela começou - eu também fiquei assim quando tinha sua idade. Não é fácil lidar desde nova com um passado sobrenatural, ainda mais porque eu nunca levei isso a sério. Sua avó sempre me incentivou a seguir o dom, mas eu nunca quis, pois sempre fui uma mulher ambiciosa e não teria tempo para me preocupar com essas bobagens...mas ela me fez prometer que, se eu tivesse um filha, eu não iria impedir, pois esse era o curso natural da vida.
- Mas, a senhora então não tem um dom?
- Tenho, mas nunca o desenvolvi. Isso faz parte da vida de todos nós, acredite ou não, cada pessoa carrega um dom diferente. O que muda dessas pessoas para a nossa família, é que foi algo prezado desde antes da minha bisavó. Nossa família tem uma sensibilidade muito aflorada, infelizmente chega um momento que isso precisa ser desenvolvido pelo bem da pessoa. -Ela olha intensamente nos meus olhos, e pega a minha mão. Antes que eu fale algo, ela continua. - Eu sei que isso lhe parece uma grande responsabilidade, e este é o motivo das cartas da sua avó, ela sabia que não estaria aqui para te preparar pessoalmente para esta nova forma de vida.
- Mas...eu posso não querer desenvolver o meu dom, igual você fez? - Não consigo me ver, mas posso dizer que a minha expressão é de puro terror e agonia.
- Sinceramente, não sei se isso seria uma boa opção para você, sua avó era a favor de você abraçar as raízes da família e fazer jus a algo tão poderoso que existe dentro de você. Nossos antepassados criaram um laço muito forte com o misticismo, e eu até entendo, já vi coisas acontecerem na nossa família que nem a ciência ou religião conseguiriam explicar. Eu sei que parece assustador, ainda mais porque você nunca tinha se atentado para essa parte da sua vida. Mas se me permite dizer, desde quando era pequena eu sabia que tinha nascido para isso igual sua avó. - Neste momento, uma lágrima escorreu pelas bochechas coradas da minha mãe, e tudo o que eu pude fazer foi abraçá-la.
Voltei para o apartamento disposta a conversar como Léo sobre o que tinha acontecido, talvez ele pudesse ter alguma informação a mais que fosse útil. Chegando no prédio, fui decidida e bati na porta. Para a minha surpresa(pasmem), quem abriu a porta foi a ex dele. Por um segundo fiquei atordoada tentando imaginar o que tinha acontecido para chegar naquele momento. Desde a noite em que o Léo me contou o que sabia, eu havia pedido um tempo, e ele realmente obedeceu ao meu pedido, estamos a quase um mês sem conversar um com o outro, mas não era só por isso, minha rotina havia voltado ao normal e tudo estava uma bagunça no escritório, e também na faculdade, não tive tempo para respirar direito desde então.
- Han... o Léo está? - Consegui falar depois de sair do transe.
- Ah, você deve ser a Olívia - disse, me olhando dos pés à cabeça - Então, eu não sei o que vocês dois tiveram, mas EU estou com ele agora, é melhor você desistir.
E então, foi quando ele apareceu, enrolado na toalha de banho, arrumando o cabelo molhado com as mãos.
- Olívia? - Seu olhar se fixou ao meu e eu pude sentir o mesmo frio correndo na minha espinha, como se fosse a primeira vez que eu o visse. Ele se aproximou da porta, onde a Nicole estava, ficando agora a apenas dois passos de mim.
- Nic, vou demorar só uns minutinhos, tá? - Ele disse fechando a porta.
- Vai mesmo ficar no corredor só de toalha assim? -Disse e continuei:
- Léo, eu preciso muito conversar com você, não dá para evitar aquela conversa por muito mais tempo...eu senti sua falta.
- Mas foi você quem me disse para te dar um tempo. Eu sabia que era muita coisa para processar, então... - Depois de alguns segundos cabisbaixo ele disse: - eu também senti sua falta Oli! E muita. Você não imagina as milhões que vezes que pensei em bater na sua porta.
Nós estávamos tão próximos, que não resisti e o abracei. O mais forte que eu conseguia, e ele retribuiu. Me senti acolhida, protegida de todo o mundo, amada. O seu perfume tinha toques amadeirados, fazendo com que aumentasse a minha vontade de ficar ali. Ficamos assim por alguns minutos, até que o transe foi cortado quando um casal passou por nós com um olhar torto.
- Aqui, te encontro em 15 minutos no seu apartamento, pode? Só vou colocar uma roupa, e então poderemos colocar o papo em dia. - Ele sorriu e acariciou a minha bochecha.
- Claro, te espero aqui. - Respondi feliz, dando um beijo em sua bochecha e correndo para dentro do apartamento.
Assim que destranquei a porta, vi um envelope no chão. Sentei no sofá apreensiva com o que estaria lá dentro, e assim que abri, pude constatar, era mais uma carta da vovó. Abracei a carta junto ao peito e sorri, não estava mais com medo, pois sabia que a minha avó estava ali, não tinha mais pelo o que temer, eu apenas aguardava ansiosa pelo meu novo futuro.
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Através do Tempo
RomanceCapítulos semanais. :) O livro tem um blog sabia? Entra lá para conferir detalhes exclusivos da história! https://annalfp13.wixsite.com/atravesdotempo Olívia, uma jornalista de 21 anos acaba de perder a sua avó. Enquanto arrumava as coisas da casa...