"humano"

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Brianna Brooks

Os dias seguintes passaram lentos, arrastados, como se o tempo tivesse decidido me punir por tentar seguir em frente.
Eu me joguei nos estudos, nas tarefas, em qualquer coisa que me mantivesse ocupada — mas, ainda assim, a presença dele me rondava.

Mattheo Riddle parecia determinado a não desaparecer.
Não com palavras, mas com gestos silenciosos que me deixavam em dúvida se eu queria gritar ou chorar.

No primeiro dia, encontrei um bilhete dobrado entre meus livros. Sem assinatura, mas a caligrafia era inconfundível:
"Não espero que me perdoe. Só quero que saiba que eu ainda me importo."

Ignorei.
No segundo dia, ele apareceu no corredor, fingindo coincidência.
No terceiro, na biblioteca. Sentou-se a poucas mesas de distância, fingindo ler — mas seus olhos me seguiam a cada movimento.
E eu fingia não notar, mesmo com o coração pulsando como se quisesse me trair.

Eu não entendia.
Por que ele continuava ali? O que ele esperava encontrar em mim, quando eu já havia lhe dado todas as respostas?

Na sexta noite, quando voltei da estufa de Herbologia, encontrei-o me esperando no pátio, sob a chuva fina que caía desde o entardecer.
O uniforme dele estava encharcado, os cabelos molhados caindo sobre o rosto, e ainda assim, havia algo de teimosamente calmo em seu olhar.

— Você devia entrar. Vai acabar pegando uma pneumonia. — falei sem emoção, tentando passar por ele.

Mas, claro, ele bloqueou meu caminho.
— Não vim discutir, Brianna. Só... preciso te dizer uma coisa.

Suspirei, exasperada.
— Mattheo, eu já ouvi tudo o que tinha pra ouvir.

— Não isso. — ele respondeu, dando um passo à frente. O tom era diferente — mais baixo, mais humano. — Eu tô tentando. De verdade.

Fechei os olhos por um instante.
Parte de mim queria acreditar, mas a outra parte — a parte que lembrava das promessas quebradas — gritava pra eu não cair outra vez.

— Tentar não é o mesmo que mudar. — respondi, a voz quase um sussurro. — E eu já cansei de tentar por nós dois.

Ele passou a mão pelos cabelos molhados, respirando fundo, como se lutasse contra algo dentro dele.
— Eu sei que errei. E não tô aqui pra te convencer de nada. Só... — ele hesitou, a voz falhando pela primeira vez. — Só queria que você visse que eu tô ficando. Que eu não tô fugindo dessa vez.

Essas palavras me acertaram de um jeito que odiei admitir.
Ficar.
Era tudo o que eu sempre quis que ele fizesse.

Mas agora? Agora era tarde.
Ou pelo menos eu tentava me convencer disso.

— Mattheo... — comecei, mas ele me interrompeu, a voz baixa e urgente.
— Me deixa te provar.

Houve um silêncio longo, e por um momento, o som da chuva era tudo o que existia entre nós.
Então, devagar, dei um passo pra trás.

— Eu já falei... — murmurei, firme — se ajoelhe, então.

O olhar dele endureceu. Não de raiva — era algo além disso. Uma mistura de incredulidade e ferida.

— Eu já disse que não vou fazer isso. — retrucou, a voz rouca. — Eu tô te falando, Brianna, eu tô aqui!

— Isso não é o suficiente. — respondi, encarando-o.

— E que diferença faz? — ele devolveu, o tom subindo um pouco.

— A diferença — aproximei-me, encarando-o de frente — é que, pela primeira vez, eu queria que você passasse por cima desse seu maldito ego. Queria que fosse por mim. E eu não vejo gesto melhor do que esse — o grandioso Mattheo Riddle... ajoelhado.

Ele riu. Um som curto, sem humor algum.
— Você quer me ver humilhado, é isso?

— Não. — sussurrei. — Quero te ver humano.

Por um instante, o mundo pareceu prender a respiração.
A chuva caía, fria e constante, entre nós.
Ele me olhava, o maxilar travado, os punhos cerrados. Podia ver a guerra acontecendo dentro dele — o orgulho lutando contra o arrependimento.

E, por um momento, eu achei que ele fosse fazer.
Que daria esse passo.

Mas não.

Mattheo apenas respirou fundo, desviou o olhar e deu um meio sorriso amargo.
— Eu não sou esse cara, Brianna. Nunca fui.

Meu peito apertou, mas mantive o olhar firme.
— É. Eu sei. — respondi, sentindo o gosto metálico das palavras. — E talvez seja por isso que eu preciso te deixar ir.

Dei as costas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa.
Senti o peso do olhar dele queimando minhas costas, mas não olhei pra trás.
Não dessa vez.

Enquanto eu me afastava, ouvi apenas um murmúrio abafado pela chuva:
— Um dia... você vai ver que eu tentei.

Continuei andando, mesmo com o coração pulsando em um ritmo que doía.
Porque, no fundo, eu sabia.
Ele estava tentando.
Mas às vezes, tentar não basta — não quando o que foi quebrado exige mais do que orgulho e promessas.

E talvez... esse fosse o começo do fim que ele nunca teve coragem de aceitar.

...

O dia seguinte amanheceu cinza.
Não o tipo de cinza bonito, calmo — mas aquele que parece pesar no ar, como se o próprio céu estivesse cansado.

Eu também estava.
Cansada de pensar, de sentir, de tentar entender por que tudo entre nós sempre acabava em um campo de batalha.

Passei o dia evitando olhares, conversas e, principalmente, corredores onde eu pudesse cruzar com ele.
Não porque eu tivesse medo do que ele diria — mas porque eu não confiava em mim o bastante pra encará-lo sem deixar que algo escapasse nos meus olhos.

Na aula de Poções, ele entrou alguns minutos atrasado.
Encharcado de novo, mas dessa vez, não era chuva. Era suor. Parecia ter vindo direto do treino.
Os olhos dele varreram a sala até me encontrar, e por um breve instante, hesitou.
Mas não se aproximou.
Sentou-se no fundo, em silêncio.

E foi isso.
Nenhuma palavra, nenhum bilhete, nenhum olhar insistente.
Pela primeira vez, ele me deu espaço.

E, por algum motivo que eu odiava admitir, isso doeu mais do que qualquer provocação.

Durante o resto da semana, ele manteve distância.
Não que tivesse desistido — dava pra perceber nos pequenos gestos.
No jeito que desviava de discussões que antes ele provocaria de propósito.
No silêncio dele, que agora parecia mais... pesado.
Como se estivesse tentando conter algo.

Ou mudar, talvez.

Na quinta-feira, vi de longe ele ajudando um aluno mais novo que havia derrubado os livros no corredor.
Parei sem querer.
Aquilo não era o tipo de coisa que Mattheo Riddle fazia.
Ou, pelo menos, não era o tipo de coisa que o Mattheo que eu conhecia faria.

Ele não me viu.
E eu fiquei ali, observando, tentando entender se aquilo era real ou só mais uma tentativa de me atingir de longe.
Mas não — havia algo diferente na expressão dele.
Menos soberba.
Mais... cansaço.

Quando nossos olhares finalmente se cruzaram, alguns dias depois, não havia aquele fogo arrogante de sempre.
Era algo mais contido.
Mais humano.

Ele não se aproximou. Só assentiu levemente, como quem reconhece a presença de alguém que ainda importa, mas que aprendeu a não forçar caminho até ela.

E, estranhamente, isso me desarmou.

Pela primeira vez, eu vi nele algo que nunca tinha visto antes: controle.
Não o tipo que ele usava pra dominar os outros, mas o tipo que nasce quando alguém começa a entender o que realmente perdeu.

Naquela noite, deitada na cama, o som da chuva voltando lá fora, percebi que parte de mim ainda esperava que ele voltasse.
Mas talvez o que eu realmente esperasse... fosse ver ele se transformar, mesmo que eu não fizesse mais parte disso.

Porque às vezes, a maior prova de amor — se é que dá pra chamar assim — é ficar longe pra não machucar mais.

E talvez, só talvez, ele estivesse começando a entender isso.

I lie for two - Mattheo Riddle Onde histórias criam vida. Descubra agora