"cuide-se"

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Abri os olhos enquanto a luz fraca invadia o quarto pela fresta da cortina. Ainda conseguia sentir os lábios de Mattheo nos meus, como se cada toque tivesse deixado uma marca que não desapareceria jamais.

Meus pensamentos voltaram para a noite passada — o silêncio pesado, o beijo roubado, a chuva que caía sem pressa. E então, inevitavelmente, vieram à tona as lembranças do pátio, quando ele se ajoelhou diante de mim. Não era um gesto qualquer; era a prova silenciosa de que ele estava disposto a passar por cima do próprio orgulho por mim. Um gesto que falava mais do que mil palavras poderiam expressar.

Levantei-me devagar, sentindo o frio da manhã no corpo, mas também a certeza de que precisava encontrá-lo novamente. O castelo parecia maior e, ao mesmo tempo, menor, porque em todos os corredores e cantos eu sabia que ele poderia aparecer a qualquer momento.

No corredor principal, não demorou para que nossos olhares se cruzassem. Ele estava encostado à parede, os braços cruzados, com aquele jeito habitual de parecer indiferente. Mas seus olhos... os olhos dele não me deixavam escapar. Cada passo meu parecia capturar sua atenção, cada gesto meu passava por ele como se fosse um ímã.

E então ouvi minha voz ser chamada.

— Ei, Brianna. — A voz era de Draco. — O que foi aquilo no pátio? Todo mundo está falando sobre isso.

— Eu... — comecei, sem saber exatamente o que dizer.

— Você está com ele? — perguntou, preocupado. Seus olhos fundos mostravam cansaço, uma inquietação que ia além do normal.

— É complicado... — respondi, hesitante. — Mas e você? Como tem passado? — acrescentei, tentando desviar o foco.

Draco desviou o olhar por um instante, os ombros tensos, o queixo firme demais para alguém da idade dele. Havia algo quebrado por baixo daquela aparência controlada.

— Tenho... tentado. — Ele soltou um riso curto, sem humor. — As coisas em casa estão... diferentes. Meu pai... — ele parou, mordendo a língua, como se cada palavra precisasse ser pesada antes de dita. — Ele espera demais de mim.

— Eu imagino. — murmurei, com suavidade. — Mas você não precisa se deixar esmagar por isso, Draco. Você sempre foi forte.

Ele olhou para mim com uma expressão que me fez prender a respiração. Era uma mistura de exaustão e medo — mas medo de quê?

— Não é questão de força, Bri. — disse, a voz baixa. — É... sobre fazer o que precisa ser feito, mesmo quando você não quer.

Franzi o cenho, tentando entender. — Fazer o que precisa ser feito? O que quer dizer com isso?

Ele desviou os olhos, os dedos trêmulos apertando o tecido da manga da própria túnica. — Às vezes, somos forçados a coisas que não escolhemos. Coisas que... — parou, engolindo em seco, a voz falhando por um segundo — ...que mudam quem somos.

Meu coração apertou. — Draco... o que está acontecendo?

Ele riu de leve, mas o som era oco. — Nada. — respondeu rápido demais. — Só... ando cansado. Tem muita coisa acontecendo, e nem tudo está sob meu controle.

Eu o encarei, tentando decifrar o que se escondia por trás daquela máscara.
Ele parecia diferente — mais frio, mais distante — mas era impossível não perceber o garoto que ainda estava ali, lutando para não se despedaçar.

Me aproximei e segurei seu braço.
— Sabe que estou aqui, não é? — disse, num tom baixo. — Você pode falar comigo.

Ele demorou a responder, como se as palavras que lutavam dentro dele fossem maiores do que sua própria vontade.

I lie for two - Mattheo Riddle Onde histórias criam vida. Descubra agora