Um tesouro vivo

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Acelerou a esfregação com as fibras, tinha que aproveitar e retirar toda sujeira que conseguisse, pois cada turno durava sessenta voltas de tubo e dois turnos seriam cento e vinte viradas. Muito tempo sem sentir aquela leveza da limpeza de novo.

Ela não sabia somar o quanto de viradas seria para voltarem a se lavar, mas sabia que era um longo tempo, pois sempre estavam com a túnica quase endurecida de sujeira a cada cerimônia de purificação.

Já a folha amarga era distribuída a eles diariamente, e ela achava um exagero ter que mastigar aquilo até para ir à cerimônia, mas não se podia discutir, o balde com as bolas de raízes e folhas mastigadas eram recolhidos todos os dias pelos aprendizes.

Não dava para saber a idade deles ou porque eram chamados assim, pois se vestiam da mesma forma dos Piromantos, com a diferença de ter um cordão branco amarrado à cintura.

O branco era a única cor que se destacava naquele mundo de cor acinzentada em que viviam. Por isso quando notavam a aproximação rápida daqueles homens com o cordão branco, sabiam que algum coloniado tinha cometido alguma falta, um erro.

Panda não os chamava de aprendizes e sim de guardas, pois pareciam sempre vigiar tudo quando apareciam, verificavam se estava tudo em ordem e iam embora.

O que de incomum procuravam, ela não saberia dizer. Quase ninguém tinha forças nem mesmo para conversar no fim do turno, então a presença deles pelos corredores era desnecessária, mas sempre apareciam.

Um mínimo movimento nas coisas de Panda chamou atenção de Cisco e Panda quis ter certeza que ela não viu seu tesouro. — O que foi Cisco?

— Estranho, pareceu que sua túnica se mexeu.

— Você está vendo coisa, deve ser o efeito da purificação ou a mistura dos dois fogos que dá sombra a tudo.

Cisco não respondeu, voltou a se entreter em sua esfregação e Panda decidiu terminar logo a sua. Apesar de sentir que precisava ainda se esfregar mais um pouco para fazer jus à túnica limpa, não se atreveu que mais alguém prestasse atenção naquilo.

Iria contar aos colegas, mas quando voltassem a se reunir ali mais tarde quando todos estivessem dormindo e ela pudesse falar sobre o assunto sem receio. Não sabia o que era seu achado, mas sabia que não seria ignorado pelos Piromantos se algum rumor vazasse.

Por se tratar de vida era proibido. Era a única lei rígida entre eles, a única vida além do povo da colônia era a imensa quantidade de galinhas criadas em um setor retirado. O que fazia Panda sentir fome ao pensar nelas.

Duas vezes apenas em sua vida ainda curta tinha experimentado aquele sabor, e nessas duas, foi quando adoeceu pela umidade e lhe foi dado pela madre um pedaço de galinha junto com a refeição composta sempre de uma papa viscosa. Comida para ela, ração sem tempero segundo os mais velhos.

Quando chegou perto da túnica ela teve o cuidado de mexer devagar, tinha medo de seu achado fugir e ela perdendo o melhor tesouro que já tinha encontrado, mas para sua surpresa, ele fez o que ela menos esperava, entrou na bolsa velha e ficou escondido.

Panda se vestiu rapidamente, sua curiosidade aguçando ainda mais em relação à pequena vida que estava colaborando com seu segredo. Segurou a velha bolsa muito bem apertada no peito deixando uma sobra para que a criatura não fosse esmagada.

— O que é isso? — Perguntou Mir apontando a bolsa, estava meio divertido e meio curioso com aquele achado sem valor.

— Nada, é apenas uma bolsa velha.

— Tinha algo dentro?

— Não e ainda esta rasgada em várias partes.

— Então porque está com ela ainda? — Perguntou Cisco estreitando os olhos. — Joga de volta ou deixa ai para queimarmos mais tarde.

Sanoar 1- Crianças Herdeiras-(DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora