Os terrenos pedregosos que se estendiam sob sua frente não deixavam de esconder o cânion que precisariam descer para chegar ao limiar das feiticeiras da neve. Elas não eram tantas quanto antigamente, mestre Palma suponha só existir duas delas. Malina e Belinda, as gêmeas que prediziam o futuro. O seu poder não era nada comparado ao de Verana, mas mesmo assim era bom que ficassem atentos, pois como feiticeiras primordiais elas poderiam descobrir os segredos que Berna escondera no livro e isso com toda certeza poderia colocar em perigo os planos de ventura. As gêmeas solitárias eram mulheres muito belas, podiam enfeitiçar qualquer um com seus olhos amendoados e sua pele cor de mel. Seus cabelos cacheados como as gavinhas de uma parreira era a completa benesse para os olhos descansarem.
Pérgamo e Amadeus ainda estavam sozinhos pelo caminho, umas árvores toscas e ressequidas até que tentavam lhes tiram o tédio do caminho, mas o que mais os desagradava era o canto do pássaro de presságio, parecia tão alegre que seu estridente canto afugentava até mesmo algumas corujas que estavam dormindo por perto.
Ao meio dia eles pararam já bem próximos a escada onde tinha um velho casebre, uma fumaça amistosa saia da chaminé simpática. Flores brancas em um pequenino jardim e um velho cachorro que olhava despreocupado para os desconhecidos se aproximando. Amadeus arregalou o olho ao ver o animal que até agora só conhecia nos livros da biblioteca.
─ Não pode ser! – indicou com o dedo ─ É um cachorme! – sorriu tolamente para o amigo e para o pássaro.
─ É cachorro, sua mula gorda. – crocitou o pássaro ─ C-A-C-H-O-R-R-O – disse pausadamente.
─ Não seja tão duro com ele. – sorriu Pérgamo ─ Ele ainda não terminou de estudar os bichos que não moram no vale. Isso diz também para termos cuidado, cães sempre foram a companhia favorita dos ladrões.
─ Jovem tolo! - advertiu o pássaro – Onde verás um ladrão com uma casa assim?
O silêncio foi a melhor a resposta de Pérgamo. Com toda certeza um ladrão que se prezasse não moraria numa casa tão humilde. Eles foram se aproximando da casa que ficava demasiado próximo do despenhadeiro. O cão faceiro e brincalhão veio ao encontro deles e antes que pudessem dar conta um homem velho e de barba longa apareceu a porta para lhes dar as boas vindas.
─ Dia, senhores! – sorriu o homem.
─ Bom dia, senhor. – responderam em uníssono os rapazes.
─ Perdão por incomodá-lo, mas gostaríamos de pedir sua ajuda. – Disse Pérgamo – Fomos atacados na floresta de Mia e Mao e agora estamos sem ter o que comer.
─ Mia e Mao? Hum... Vocês realmente gostam de perigo. Eu não sei o que foram fazer com aqueles leões, mas podem entrar... Darei-lhes algo para comer e quem sabe para levar em sua viagem.
A casa era impecavelmente organizada, móveis velhos, mas extremamente conservados. Os quadros nas paredes eram apenas do senhor e de seu cão que há muito parecia estar ali. A mesa fora posta e os pães tinham um aroma inconfundível de que tinham sido assados naquela manhã. O suco de uva e os queijos eram por si só outro manjar naqueles dias turbulentos que estavam passando.
O homem lhes contou sobre sua falecida esposa e como estava cuidando de suas parreiras e de sua única vaca. E era prontamente ouvido por Pérgamo que lhe falava sobre seus conhecimentos sobre agricultura.
O cão não parava de latir e de pedir comida para Amadeus que prontamente atendia sem que Pérgamo ou o homem notassem. O pássaro no seu ombro retorcia a cabeça como se quisesse dizer a qualquer momento o mau comportamento para com o anfitrião da parte do rapaz.
O velho senhor os acompanhou até as escadarias e os aconselhou a tomar cuidado com um jardim que encontrariam no final do cânion.
─ Tomem cuidado meus jovens amigos, o jardim das expectativas é um lugar mortalmente belo. Ele te devora enquanto você sonha com um paraíso.
Ao final da tarde eles já estavam chegando ao fundo do despenhadeiro e não havia nenhum jardim por ali.
─ Acho que o bode velho deve estar bebendo muito vinho – riu Amadeus ─ Jardim? Ora, francamente. É mais fácil sermos comidos por um dragão.
─ Cale a boca, Amadeus. Não seja tão maldoso. Talvez ele tenha motivos mais concretos para acreditar nisto. Como por exemplo a morte da esposa... Se não ficasse tão concentrado em comer e a brincar saberia muito bem que ele e a mulher se perderam enquanto buscavam uma de suas ovelhas e que depois da névoa da tarde o jardim apareceu e a sua mulher tentou achar o animalzinho, mas foi tragada para dentro do jardim. Lamentável perder quem se ama assim... – entristeceu-se.
O pássaro achou melhor não engrossar o coro contra Amadeus, contentou-se porém em avisar que não estavam mais sozinhos.
─ Grah! O cão sarnento, olhem!
Ele rosnava e latia compulsivamente para Pérgamo; parecia querer lhe contar alguma coisa.
─ Olha quem veio nos salvar – sorriu Amadeus indo fazer um carinho na cabeça do cachorro. Mas este se afastou de forma arisca.
─ Mais essa agora! O que vamos fazer para que ele volte para casa?
─ Não o mande embora, mestre burro! Ele sabe o caminho – disse o pássaro observando o cachorro latir para que prestassem atenção nele.
Os jovens correram para acompanhar o cão que parecia conhecer cada palmo daquele chão cheio de pedras e visgo. Amadeus se esborrachara duas vezes o que não era nada engraçado já que a névoa ficava cada vez mais densa e a luz do sol começava a falhar. Uma penumbra ia se formando e de repente a claridade aumentou e eles perceberam que estavam pisando sobre uma grama verdejante.
─ Mas o que será isso? – disse Amadeus assustado.
─ Eu não faço a menor ideia – Pérgamo se apoiava cansado sobre uma pedra lisa.
Um riso retumbante se ouviu e lhes causou um arrepio na espinha.
─ Bem vindos ao jardim das expectativas, disse Verana. Eu os trouxe até para que tenham a melhor morte de todas.
─ Quem é essa louca?
─ Ela é uma feiticeira... De... Estho se não me engano... O que quer de nós? Que eu me lembre não estamos nos seus domínios.
─ Muito bem observado jovem mestre da biblioteca, estou aqui pois não posso deixar que cheguem até Vanilla e encontrem o pequeno sonhador.
─ Onde está aquele maldito pássaro quando precisamos dele? – Interrompeu Amadeus com um grito.
─ Você deve ser o tolo Amadeus. Pássaros de presságio somem ao cair o sol, já deveria ter ensinado isso a ele Pérgamo. Mas não importa, tenham uma boa morte!
Um forte barulho foi ouvido e um pássaro vermelho alçou vôo pelo estranho céu do jardim.
Eles começaram a andar de um lado para o outro tentando encontrar o cão marrom, mas nada conseguiram a não ser apenas avistar coelhos brancos.
─ Será que ele foi apenas uma criação dela?
─ Tudo indica que sim, ele parecia muito arredio e nem deixou que você o tocasse. Não sei como sair desse jardim enfadonho. Parece que estamos num sonho. Se isso for verdade, nossos corpos devem estar lançados em terra e quem sabe que perigos estamos correndo.
***
─ Eles estão exatamente onde queríamos que estivessem. Agora é questão de tempo para que as gêmeas os encontrem. – sorriu o velho para seu cachorro.
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O sonhador, a velha árvore e o rei
FantasiaVentura é uma pequena cidade no Vale Almíscar, um lugar onde muitas coisas podem acontecer dependendo de sua crença. Esseno era um jovem rei e isso era um peso demasiado para sua consciência. Nesse reino não tão distante assim, uma velha árvore míst...