2 || Precipício

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Apresso meus passos com o objetivo de não perder mais tempo na floresta, pois sei que na mesma corro risco.

Algo dentro de mim dispara um alarme. Não estou sozinho. Há outra Besta. Não, não é qualquer uma. É a que eu pensei ter matado. Mas como? Meus pensamentos, por estarem confusos, tornam-se fracos e fáceis para serem manipulados. Minha cabeça começa a doer violentamente. Tento procurar pela Besta em sua forma espectral, não consigo achá-la. Concentro-me para sentir a energia da mesma. Sem sucesso. O que está acontecendo? Algo está muito, muito errado.

Minha mente parece estar entrando em um estado de transe. Minhas memórias aparentam estar aprofundando-se em um lapso. Tudo ao meu redor torna-se turvo. E então eu vejo. A Besta está me controlando. Isso não é real. Meu irmão encontra-se na minha frente, com a mão estendida. Mas parece tão real. Seus cabelos loiros rentes a cabeça, sua incomparável marca de nascença no queixo. Tão real. Kennan sorri para mim. Aquele sorriso que movimentava barreiras e ressuscitava vidas.

Não. Não é real, estou me deixando levar. Lute, você é mais forte do que isso. Pego minha lança de tamanho médio do suporte em minhas costas, guardo a caixa de ferro em meu bolso, o peso da mesma torna-se um grande aviso de que pessoas me aguardam em algum lugar. Encaro meu irmão que continua com um sorriso acolhedor no rosto.

— Você está morto. — digo.

Corro até ele e enfio a lança. Dói em mim, de certa forma. 

A arma passa pelo coração de meu irmão, o mesmo olha para o objeto em seu peito e me encara, como se indagasse o por quê, olho para os olhos dele e noto o quão sem expressão são. Ele não sangra. Confirmando minhas suposições: ele não é real, não está vivo. A imagem de meu irmão desaparece. Como névoa. Minha lança fica suspensa no ar, a abaixo e olho ao meu redor. Ainda procurando pela Besta.

— Sou mais forte que isso. — digo para lugar nenhum em especial. 

Sinto meus pés, como se fossem guiados por uma força maior, começarem a se deslocar. Percebo que o bicho está me controlando. Tento mandar mensagem para meu cérebro, para meu corpo. Em vão. Eu não posso morrer, é inviável uma vez que estou com a caixa... minha morte causaria a morte de todos da minha Comunidade. 

Sei para onde a Besta está me enviando.

Com o pensamento começo a entrar em desespero. Não consigo retomar o controle do meu próprio corpo. A mata, aos poucos, vai diminuindo a densidade, alguns segundos, minutos ou horas (não sei ao certo) se passam e não consigo retomar o controle do meu ser. Fico andando sem saber meu objetivo, pois o mesmo não é controlado por mim. Vejo uma enorme árvore que possui uma altura incalculável. Típica árvore que, para se ver seu fim, é necessário dobrar o pescoço até o mesmo encostar no início da coluna. 

Um campo aberto. Com uma fenda bem em seu interior.

Confirmando meus pensamentos assustadores, mais a frente vejo a borda do que parece me aguardar: o precipício. É um buraco de dimensões desconhecidas. Uma fenda no meio do planeta terra. Sinto meu coração descompassado. A Besta está me levando para lá. Desespero, é isso que sinto. É como se eu estivesse fora de meu corpo, como se meu ser estivesse perdido em meio aquela floresta no momento em que o bicho repugnante começou a controlar-me. A Besta está em meu encalço. Sinto isso. Ela só não vai me matar e me comer porque quer vingança. Bichos vingativos. Como nós, humanos, afinal. Cada vez mais sinto um frio de causar arrepios. Meu coração acelera. Já é possível ver a fenda feita pela própria mãe natureza.

Não, eu não posso desistir.

Caminho em passos lentos até a fenda. Quando chego até a borda da mesma a Besta faz minhas pernas pararem, mais um passo e caio no imenso vão, mais de perto a fenda parece não possuir um fim, algumas pedrinhas, quando meus pés têm contado com o solo, caem em direção ao infinito. Um ar frio passa pelo meu rosto. Tento controlá-las, minhas pernas. Em vão.

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