3 || Igreja

8.5K 603 183
                                    

Caminho calmamente. Seguro a lança em minha mão esquerda. Fico atento a qualquer tipo de som. Continua a garoar. Não sinto a presença de nenhuma Besta próxima. Saio da floresta já me conscientizando de que, a partir daqui, a quantidade de Bestas é maior. Relembro-me de horas mais cedo, quando segui essa mesma direção para ir até o palácio.

A noite está em seu ápice, alguns insetos mostram-se presentes fazendo barulhos estranhos. Caminho pela cidade abandonada e vejo as inúmeras casas e prédios, pensar que tudo isso um dia foi habitado, que teve vida, me espanta. As casas possuem fachadas sombrias de abandono, muitas com telhas quebradas e paredes destroçadas. A maioria dos prédios estão destruídos de forma que quase nenhum chega até seu último verdadeiro andar.

A natureza está tomando conta de tudo. Todos os donos dessas casas devem estar mortos. 

Eu não era vivo quando aconteceu, pois tenho apenas quinze anos e os acontecimentos passaram-se cerca de vinte anos atrás, mas sei que, como todos dizem, foi algo repentino e sem qualquer explicação, em pouco menos de um dia as Bestas surgiram, não foi identificado a origem desses seres. O caos instalou-se em todos os lugares. Os humanos foram sendo mortos, em poucos anos metade da população fora exterminada. E esse era o objetivo das Bestas: acabar com a raça humana. Porém, nós resistimos. E isso, pelo o que sei, pareceu piorar as coisas. Todos iam morrendo aos poucos. E as Bestas pareciam só aumentar, não aos poucos, aos montes. Uma mais forte que a outra. Seus poderes eram inegáveis. 

E então houve um cessar.

A decisão fora acabar com a morte e preservar o que ainda restava dos humanos. Os famosos líderes que mostraram poder naquele momento decidiram criar as Comunidades, espalhadas pelo mundo, por países em que ainda existia nossa raça. Poucos. Nem eu sei ao certo em que lugar do mundo estou... A Comunidade Centro é criada e é onde tudo se controla, as outras comunidades são submissas a mesma... São refúgios, construídos às pressas. Foi estipulado esse tipo de divisão de Comunidades, pois assim seria mais fácil de ser administrado.

 Boatos de que a Comunidade Centro só é ocupada por pessoas que nas vidas passadas possuíram valor na questão da classe social. Boatos de que todos por lá vivem uma vida tranquila e muito semelhante à antiga.

Boatos.

Eu nunca fui na Comunidade Centro. Na realidade, ninguém desta região se atreve a ir até lá. Ir até lá significa morrer nas garras dos Outros. Mas esse não é o principal ponto. É aí então que vem a parte mais pautada e discutida: por que as Bestas não acabam com essas Comunidades?

Porque há um Trato. Sim, um Trato. Entre Bestas e humanos.

O que se sabe é que há um ser superior entre todas as Bestas. Um ser muito semelhante a um humano. Esse ser é o Líder de todos os repugnantes bichos. Esse ser pensa racionalmente, quase como um humano. Ele permitiu, entretanto, não disse que suas Bestas parariam de matar fora das Comunidades. Ocorrido tudo isso as Comunidades foram construídas. Em áreas onde pudesse haver locais para plantio. Em vão, já que tudo parece estar contaminado. A raça humana continua acabando aos poucos. Tanto por doenças quanto pelas Bestas. Não nego que tenho uma grande curiosidade de conhecer o Líder dos repugnantes bichos. 

Ouço o grito de uma Besta, sei que está distante. Às vezes penso que o grito dos bichos se assemelha muito com o de um humano sofrendo. Vejo mais a frente o prédio espelhado - prédio esse usado como forma de localização da cidade -. A Igreja está a algumas quadras do prédio. Sinto minha boca seca. Passo pelo palácio, o local onde peguei a caixa mais cedo. Vejo sua fachada imponente abandonada, dizem que na realidade o nome do palácio é mansão, mas prefiro o termo palácio. Parece-me muito melhor. Passo pela mesma e me questiono se ainda tem uma pequena caixa aguardando para ser levada por mim lá dentro.

LiberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora