Capítulo 11

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Os olhos negros eram tão frios que pareciam congelar sua alma. Fitavam-na inespressivamente, mas mesmo assim Pandora tinha a sensação de que riam dela. Ela girou a identidade de novo, esperando que algo diferente aparecesse. Mas continuou exatamente igual.

A menina não fazia ideia de a quanto tempo estava sentada no sofá encarando a identificação, mas chutava que era muito. Conseguia ouvir o barulho dos meninos se movimentando no quarto, entrando no banheiro e tomando banho, dos carros que passavam do lado de fora, e os sons se repetiram vezes o suficiente pra ela saber que já devia ter ao menos se movido.

Mas ela não conseguia. Porque levantar daquele sofá era aceitar que ela não tinha mais nenhuma pista, nenhum lugar para ir. Tinha acabado, era o fim da linha. Pandora estava em uma rua sem saída.

Se ela se movesse e fosse encarar os meninos, ela teria que pensar no que fazer e encarar o fato de que não havia nada a ser feito.

Ela ouviu o barulho de um corpo afundando na poltrona a sua frente, mas não levantou o rosto. Continuou fitando a identidade que ganhara do funcionário do hotel em Paris, e pensando que era exatamente o mesmo rosto que vira em sua lembrança.

Exatamente o mesmo rosto do homem que ela chamara de papai, e depois apertara seu pescoço infantil até que quebrasse.

E agora que ela tinha visto o rosto por si mesma, mesmo que de uma memória passada, ela conseguia enxergar as semelhanças - que iam muito além dos olhos. As maçãs do rosto proeminentes, o nariz levemente arrebitado, o olhar sério.

Ele era mesmo o pai dela, isso era fácil de ver. Mas então, aonde estava sua mãe?

-- O que você tem ai? - ela ouviu a pessoa a sua frente perguntar.

Muito lentamente, Pandora ergueu a cabeça para encarar o menino. Felipe estava esparramado na poltrona, o cabelo molhado, usando óculos de grau de aro fino, quase imperceptível no rosto dele.

Ela encarou a identidade por mais alguns segundos, antes de dar de ombros e entregar pra ele. Não fazia diferença se eles soubessem ou não. Ela não precisava mais manter segredos.

Felipe encarou a identidade, girou-a nas mãos, olhou-a mais um pouco, e então voltou sua expressão curiosa para Pandora.

-- Me deram isso no hotel em que eu acordei sem memória. Disseram que era do meu pai.

O rapaz ergueu uma sobrancelha e então se esticou em direção a Pandora. Colocou a identidade do lado do rosto dela e intercalou o olhar entre as duas. Ele estava perto, mas não tão perto, e mesmo assim a menina podia sentir o calor irradiando da pele dele.

-- Parece um pouco. Você acreditou neles?

Ele voltou a se encostar na poltrona.

Pandora deu de ombros.

-- Mais ou menos. É algo em que me segurar, e não é como se eu tivesse muito.

Felipe a sondou atentamente por alguns segundos antes de assentir.

-- Você já o encontrou? - ela negou com a cabeça - Você ao menos sabe se ele realmente existe?

Pandora abriu a boca, pronta pra contar a ele sobre o sonho, e então engasgou com as palavras. Ela não podia. Não porque eles não pudessem saber, mas porque ela não estava pronta pra isso. Ela não conseguiria sentar e contar sobre a lembrança, sobre o pai que a matara, sobre nada daquilo. Nem mesmo era capaz de formular as frases para dizê-lo.

-- Não exatamente. - ela respondeu e não era uma mentira, ela não tinha como confirmar se as memórias eram mesmo isso ou apenas sonhos. Apesar de ter certeza de que fossem - Eu só...

PandoraOnde histórias criam vida. Descubra agora