Capítulo 18

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Por um curto espaço de tempo, a visão da garota se embaçou, naquele típico pequeno desmaio dos segundos iniciais de dor intensa. Seu corpo ficou dormente, enquanto tentava fazer seu cérebro processar a flecha atravessando seu peito e os flashes de movimento que pareciam vir de todos os lugares do céu, outrora escuro.

Agora, núvens carregadas surgiam vindas do nada, uma tempestade se formando sobre sua cabeça. Confusa, Pandora olhou pra cima, se deparando com sombras de raios se desenhando nas nuvens, junto com a silhueta de longas asas, repletas de penas.

Aquilo nao era um bom sinal.

A dor irradiava cada vez mais forte pelo seu corpo, dificultando sua respiração. Sangue quente vazava das feridas, escorrendo pelos sulcos horizontais da caminhonete e alcançando seus dedos entorpecidos. Ela forçou a mente a se focar no caos que formava sob sua cabeça, tentando fugir da inconsciência. Ela não podia desmaiar, precisava se manter alerta.

A garota sentiu algo se avultar sobre si e ergueu o olhar alarmada, apenas para encontrar Vítor. O garoto mantinha metade do corpo pra fora da janela traseira, os braços esticados em direção a ela, os olhos escuros repletos de desespero.

-- Pandora! - ela viu seus lábios formarem o nome, mas não conseguiu ouvir o som. Havia tanto barulho, com o vento os açoitando graças a alta velocidade do carro, e os trovões que pareciam ficar cada vez mais altos, que qualquer outro ruído se perdia.

Percebendo o que o garoto fazia, a garota se desesperou também. Ele não podia sair de dentro daquela cabine. As coisas estavam prestes a ficar feias, e ele estava bem no meio de tudo - os três estavam. Ela tinha que fazer alguma coisa.

Mas antes, outro grande problema requisitava sua atenção primeiro. A flecha se projetando do seu peito, roubando sua lucidez pouco a pouco.

Sem se permitir pensar, Pandora levou as duas mãos à seta de madeira. Respirou fundo, prendeu a respiração, e antes que pudesse mudar de ideia, puxou.

A dor pareceu queimar suas veias, como ácido. Ela deixou o guincho escapar por seus dentes trincados, sabendo que ninguém a ouviria com os estrondos da tempestade.

Não conseguiu mover a flecha nem metade do que precisava, a dor e os dedos escorregadios a forçando a soltar. A visão da menina turvou e ela tentou respirar fundo, contrariando seus pulmões doloridos, para não apagar. Ela não podia desmaiar de jeito nenhum.

Seja lá como, a tempestade mantia os anjos ocupados, mas era só uma questão de tempo até que eles terminassem o que quer que estivessem fazendo e se voltassem pra ela outra vez. Ela precisava se apressar.

Por isso apenas cerrou a mandíbula de novo, esfregou os dedos melados no vestido, tentando limpá-los nas pequenas partes do tecido que ainda não estavam imundas, e voltou a puxar a flecha.

Sentiu a ponta de metal sair de seu corpo, antes da escuridão engoli-la

Um "pim" insistente preencheu seus ouvidos, abafando todos os outros sons ao seu redor, e a menina não enxergou mais nada além de preto.

Respire, Pandora, respire! Ela gritou em sua cabeça, sabendo que a quantidade excessiva de adrenalina em suas veias seria o suficiente para cura-lá rápido, se ela só se mantivesse acordada.

Sentiu algo precionar sua ferida e trincou os dentes pra segurar um grito de dor. Tentou erguer os braços para empurrar o que quer que fosse pra longe, mas seus dedos pareciam pesar toneladas. Forçou seus membros, procurando uma forma de chutar, socar e espernear, qualquer coisa que afastasse aquilo que a machucava, mas seu corpo estava dormente demais.

Conseguia sentir que aos poucos à lucidez voltava, rápido, mas não rápido o suficiente se o inimigo já estava com as mãos nela.

E então dedos quentes roçaram em sua bochecha com delicadeza. Ela ouviu o fraco zunido de alguém tentando falar com ela, chamando seu nome. O toque se moveu para suas pálpebras fechadas e ela as abriu - nem mesmo tinha percebido que fechara olhos.

PandoraOnde histórias criam vida. Descubra agora