Capítulo 15

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Se fosse pra esse capítulo ter um nome, seria "Adeus"

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Os pequenos pés dela estavam imundos de lama e sangue, assim como a barra de seu vestido branco. O campo aberto estava quase todo oculto por uma fumaça espessa, mas mesmo assim ela podia enxergar com clareza a trincheira a sua frente.

Há muito Pandora tinha perdido de seu pai. Ele deixou-a no meio do caminho e depois sumiu na névoa, dizendo que precisava fazer seu trabalho, assim como ela precisava fazer o dela.

Mas a menina ainda estranhava se ajoelhar ao lado dos corpos quentes e desejar que suas almas tivessem mais uma chance, mesmo que suas carcaças permanecessem com aquele destino.

Diferente de seu pai, ela não podia fazer os homens deixar de enxergá-la. É claro que uma criatura tão pequena era difícil de ser notada no meio da névoa, mas os poucos que a viam queriam correr e protegê-la - uma criança no meio do campo de batalha; de onde ela tinha surgido?

Mas Pandora tinha uma missão, e precisava cumpri-la.

Por isso, após se afastar de mais um homem confuso por sua presença, ela desceu com suas pernas curtas uma trincheira e se afundou na podridão humana que jazia embaixo.

Sangue, lama, corpos em decomposição, dejetos humanos e soldados, todos amontoados no mesmo espaço, tentando sobreviver a uma guerra que não declararam.

Pandora caminhou por eles, sujando o vestido e o longo cabelo, os passos lentos enquanto ela tentava identificar quais eram os corpos que ainda estavam quentes.

"Apenas os quentes" seu pai lhe dissera, "Os frios eu já toquei. Só os quentes poderão ser tocados por você" e sua voz soou ligeiramente resignada, como se tentasse esconder que a ideia o desagradava.

Mas a maioria dos corpos que a menina enxergava a muito já tinham esfriado, alguns até já devorados pelo tempo.

Ela começou a emburrar, chateada por não fazer o seu trabalho, porque seu pai já o tinha feito.

Até que localizou um corpo tão quente que ainda respirava.

Se é que aquilo podia ser chamado de respiração; o peito subia e descia em lufadas desesperadas, cada entrada de ar uma luta, e gemidos de dor acompanhavam a saída.

Pandora se aproximou com cautela, um sorriso satisfeito surgindo no rosto por ter finalmente encontrado uma presa.

Antes que o alcançasse, o homem olhou pra ela.

Ela congelou. Porque ela conhecia aquele homem. Não o homem em si, mas a criança que ele tinha sido.

A ação do tempo era muito clara ali, colocando uma barba no rosto outrora infantil, mas ainda eram os mesmos olhos claros, cabelos escuros e bochechas salientes de Louis.

Quanto tempo tinha se passado desde que Pandora o vira pela ultima vez, quando seu pai a tirara as pressas de Paris?

O corpo dela dizia que era pouco, com apenas um ou talvez dois anos a mais, mas Louis já era um homem, com idade suficiente pra lutar na guerra.

O rapaz franziu o cenho, como se não pudesse acreditar no que via. Seu tronco estava coberto de sangue, que parecia vir de um buraco pequeno em seu peito.

-- Dora? - ele disse, incrédulo.

Pandora sorriu pra ele e se aproximou, ajoelhando-se a seu lado. Ah, Louis. Como ela tinha sentido a falta dele nos anos que seguiram a saída forçada dela de Paris.

PandoraOnde histórias criam vida. Descubra agora