Capítulo 14

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O céu estava lindo, com estrelas cintilando ao redor de uma lua cheia e brilhante. Poucas nuvens preenchiam a imensidão escura, como se estivessem dando licença para os astros aparecerem.

Pandora não conseguia se lembrar da última vez que tinha parado para observar o céu. Ela estava sempre ocupada demais olhando por sobre os ombros para se preocupar em olhar para cima.

Ela gostaria de tê-lo feito, porque aquilo era a coisa mais deslumbrante que já tinha visto. Tanto brilho e tanto esplendor, bem sobre sua cabeça.

Mas então notou algo estranho, nuvens transparentes mas ao mesmo tempo escuras e densas, espiralando em toda sua visão.

O cheiro ocre preencheu suas narinas, lembrando que sua garganta ardia e os pulmões pareciam pesados, sentindo falta do ar que tinha dificuldade em entrar.

Fumaça. Aquilo era fumaça.

E aparentemente, ela não estava mais imune a ela como antes, porque a fumaça machucava seu corpo toda vez que ela inspirava, fazendo sua cabeça girar.

Não era apenas a falta de ar que a incomodava, ela percebeu, mas também algo a balançava de um lado pro outro, no mesmo ritmo dos passos firmes de alguém.

O movimento gerou uma pontada em sua barriga, e ela finalmente deu atenção a dor que irradiava dali, a pulsação do sangue escorrendo por seu corpo. Pandora conseguiu sentir o corte em toda sua extensão, de uma ponta repuxava à outra, e sua vida se esvaindo por ele.

A leve sensação formigante de seu corpo tentando curar a ferida era muito mais fraca que a dor pungente e o fluxo de sangue caindo.

Sem contar que a falta de ar desacelerava suas funções, quase sussurrando pra ela ter calma e se deixar ir.

Ela estava morrendo.

E mesmo que ela fosse poder voltar quando finalmente morresse, uma parte preocupantemente grande dela não se importava. Se ela não voltasse, não seria um problema.

Ela estava tão cansada de viver fugindo e lutando. Tão cansada de se esconder, de tomar cuidado com tudo, estar sempre alerta. E então, nos poucos segundos em que se deixava relaxar e até se divertir, tudo dava errado, pra provar pra ela que a atenção constante era necessária.

Pandora não queria mais ser forte e encarar tudo de cabeça erguida. Ela queria poder se encolher em um canto e chorar por ser diferente. Ela queria lamentar pela vida normal que jamais teria.

E era muito mais difícil não se render a essa vontade com a sensação de sua vida vazando por uma ferida aberta.

Foi por isso que ela não ligou para o fato de que alguém a carregava. Braços fortes a seguravam, passando por sob seus joelhos e costas, e balançavam-na delicadamente conforme avançava.

Que me levem ela pensou enquanto encarava o céu Que façam o que querem. Agora não faz diferença.

Ela sabia que se arrependeria disso depois, mas se preocuparia com isso quando acordasse. Naquele momento, tudo o que desejava era morrer em paz.

A menina pensou em Vítor, Felipe e Raul aceitando permanecer ao lado dela, querendo esperá-la quando o mais inteligente a se fazer era fugir. Pela primeira vez, contemplou a possibilidade de que talvez não fosse por segurança, mas sim pela aventura.

Ela era algo extraordinário que irrompeu na vida normal deles. Talvez eles quisessem se segurar nisso.

Era tão trágico que chegava a ser hilário. Pandora com uma vida extraordinária querendo desesperadamente uma vida normal, e eles com uma vida normal querendo desesperadamente uma vida extraordinária.

PandoraOnde histórias criam vida. Descubra agora