Senta-te como um sultão entre as luas de Saturno.HERMAN MELVILLE, MOBY DICK, CAPÍTULO 107 (1851)
Existe um mundo, de tamanho intermediário entre a Lua e Marte, cuja camada superior de ar é eriçada de eletricidade - originária do arquetípico planetaseguinte, rodeado de anéis; cuja camada de nuvens marrons é matizada por um estranholaranja-queimado e onde a própria matéria da vida cai dos céus sobre a superfícieabaixo. É tão distante que a luz do Sol leva mais de uma hora para chegar lá. As navesespaciais levam anos. Muito a seu respeito ainda é mistério, inclusive se possui ou nãograndes oceanos. No entanto, sabemos o suficiente para reconhecer que talvez naquelelugar ao nosso alcance estejam em andamento certos processos que há longas erasoriginaram e vida sobre a Terra.
Em nosso mundo, está em andamento uma experiência de longa duração - esob alguns aspectos promissora - sobre a evolução da matéria. Os fósseis conhecidosmais antigos têm cerca de 3,6 bilhões de anos. Sem dúvida, a origem da vida deve teracontecido bem antes disso. Mas, há 4,2 ou 4,3 bilhões de anos, a Terra estava sendo tãoabalada pelos estágios finais de sua formação que a vida ainda não poderia ter aparecido: grandes colisões fundiam a superfície, transformando os oceanos em vapor eimpelindo para o espaço toda atmosfera acumulada desde o último impacto. Assim, háaproximadamente 4 bilhões de anos, houve um hiato propício bastante estreito - talvezde apenas 100 bilhões de anos - em que surgiram nossos antepassados mais antigos.Tão logo as condições permitiam, a vida apareceu rapidamente. De alguma forma.
As primeiras coisas vivas deviam ser ineptas, muito menos dotadas que o maishumilde micróbio de nosso tempo; talvez mal e mal capazes de fazerem cópiasgrosseiras de si mesmas. Mas a seleção natural, o processo-chave que Charles Darwindescreveu coerentemente pela primeira vez, é um instrumento tão poderoso que, a partirde quase nada, pode surgir toda a riqueza a beleza do mundo biológico.
Esses primeiros seres vivos eram feitos de peças surgidas por si mesmas,impulsionados pelas leis da física e da química numa Terra sem vida. Os tijolos de todavida terrestre são chamados moléculas orgânicas, tendo por base o carbono. Do imensonúmero de moléculas orgânicas possíveis, raras são usadas no núcleo da vida. As duasclasses mais importantes são os aminoácidos, tijolos das proteínas, e as basesnucleotídeas, tijolos dos ácidos nucléicos.
Logo antes da origem da vida, de onde vieram essas moléculas? Há só duaspossibilidades: de fora ou de dentro. Sabemos que então um número muitíssimo maiorde cometas e asteróides atingia a Terra, que esses pequenos mundos são fontes ricas demoléculas orgânicas complexas e que algumas dessas moléculas não eram calcinadascom o impacto. Não estou descrevendo mercadorias importadas, mas feitas em casa: asmoléculas orgânicas geradas no ar e nas águas da Terra primitiva.
Infelizmente, carecemos de dados sobre a composição do ar primitivo e asmoléculas orgânicas se constituem mais facilmente em algumas atmosferas que emoutras. Não devia haver muito oxigênio, pois o oxigênio é gerado pelas plantas verdes eainda não as havia. Provavelmente havia mais hidrogênio, muito abundante no Universoe que consegue escapar da atmosfera superior da Terra para o espaço com maisfacilidade que qualquer outro átomo (por se tão leve). Podemos imaginar váriasatmosferas primitivas possíveis, reproduzi-las em laboratório, aplicar um pouco deenergia e ver que moléculas orgânicas se formam e em que quantidades: experiênciasestimulantes e promissoras. Nossa ignorância das condições iniciais, porém, limita suarelevância.
Precisamos é de um mundo real cuja atmosfera ainda retenha alguns gasesricos em hidrogênio, um mundo que eram outros aspectos se pareça com a Terra, ondeos tijolos orgânicos da vida estejam sendo maciçamente gerados em nossa própria épocae que possamos explorar em busca de nossos primórdios. Existe apenas um mundodesse tipo no sistema Solar. É Titã, a grande lua de Saturno. Tem cerca de 5150quilômetros (3200 milhas) de diâmetro, um pouco menos que a metade do tamanho daTerra. Leva dezesseis de nossos dias para completar uma órbita em torno de Saturno.
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Pálido Ponto Azul-Carl Sagan
SachbücherOBS: """os capítulos estão com um problema no espaçamento entre as palavras, dentro de uma semana será corrigido""" Por que gastar fortunas com programas espaciais quando há tantos problemas aguardando solução a poucos metros de nossas casas? Para...