O PÂNTANO DE CAMARINA

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É tarde demais para qualquer melhoria. O universo está terminado; a cumeeira foi colocada, eo entulho removido há 1 milhão de anos.HERMAN MELVILLE, MOBY DICK, CAPÍTULO 2 (1851).  


  Camarina era uma cidade ao sul da Sicília, fundada por colonizadores deSiracusa em 598 a. C. Uma ou duas gerações mais tarde, foi ameaçada por uma pesteque fermentava, segundo alguns, no pântano adjacente. (Embora a teoria que atribui asdoenças e germes não fosse, com certeza, muito aceita no mundo antigo, havia indíciosdessa forma de pensar; por exemplo, no primeiro século a.C., Marco Varro alertava, deforma bem explícita, contra a construção de cidades perto de pântanos, "porque ali se reproduzem certas criaturas minúsculas que são invisíveis para os olhos, que flutuam noar e entram no corpo pela boca e pelo nariz, causando graves doenças".) O perigo paraCamarina era grande. Foram traçados planos para drenar o pântano. No entanto, quandoconsultado, o oráculo proibiu essa linha de ação, aconselhando paciência em seu lugar.As vidas, porém, corriam risco, ignorou-se o oráculo e o pântano foi drenado. A pestefoi imediatamente controlada. Tarde demais, reconheceu-se que o pântano tinhaprotegido a cidade de seus inimigos, entre os quais tinha-se, agora, de contar os primos,os siracusanos. Como na América do Norte, 2300 anos mais tarde, os colonizadoreshaviam brigado com a terra natal. Em 552 a. C., uma tropa de Siracusa atravessou aterra seca, onde antes se encontrava o pântano, massacrou todos os homens, mulheres ecrianças, e destruiu a cidade. O pântano de Camarina tornou-se proverbial para o casode eliminarmos um perigo e, com isso, criamos outro ainda maior.  

  A colisão do período cretáceo-terciário (ou colisões – pode ter havido mais deuma) esclarece o perigo dos asteróides e cometas. Depois da colisão, uma fogueiracapaz de imolar mundos torrou a vegetação sobre todo o planeta; uma nuvemestratosférica de poeira escureceu o céu de tal forma que as plantas sobreviventesencontraram dificuldades para tirar sustento da fotossíntese; houve por toda partetemperaturas glaciais, chuvas torrenciais de ácidos cáusticos, enorme diminuição dacamada de ozônio e, para completar, depois que a Terra estava curada de todas essasagressões, um prolongado aquecimento de estufa (porque o impacto principal parece tervolatizado uma camada profunda de carbonatos sedimentares, derramando imensasquantidades de dióxido de carbono no ar). Não foi uma catástrofe única, mas um desfile,uma concatenação de horrores. Os organismos, enfraquecidos por um desastre, eramexterminados pelo seguinte. Não sabemos se nossa civilização sobreviveria a umacolisão energética, mesmo consideravelmente menor.  

  Como o número dos asteróides pequenos é muito maior que o dos grandes, ascolisões comuns com a Terra serão causadas pelos pequenos. Quanto maior for o tempoprevisto para a colisão, no entanto, tanto mais devastador será o impacto que se podeesperar. Em média, uma vez, em algumas centenas de anos, a Terra é atingida por umobjeto com, aproximadamente, setenta metros de diâmetro; a energia liberada resultanteequivale à explosão das maiores armas nucleares já detonadas. A cada 10 mil anos,somos atingidos por um objeto de duzentos metros que poderia induzir graves efeitosclimáticos regionais. A cada milhão de anos, ocorre o impacto de um corpo com maisde dois quilômetros de diâmetro, equivalente a quase 1 milhão de megatons de TNT –explosão que provocaria uma catástrofe global, matando (a menos que se tornassemprecauções inéditas) uma fração significativa da espécie humana. Um milhão demegatons de TNT é cem vezes o produto explosivo de todas as armas nucleares doplaneta, se detonadas simultaneamente. Eclipsando até mesmo esse desastre, em maisou menos 100 milhões de anos pode-se apostar em algo semelhante ao evento doperíodo cretáceo-terciário, o impacto de um mundo com dez quilômetros de extensão ouainda maior. A energia destrutiva latente num grande asteróide próximo da Terra eclipsaqualquer outra coisa ao alcance da espécie humana.  

  Como o cientista planetário norte-americano Christopher Chyba e seus colegasmostraram pela primeira vez, os pequenos asteróides ou cometas, com uma extensão dealgumas dezenas de metros, se quebram e incendeiam ao entrarem em nossa atmosfera.Eles aparecem com relativa freqüência, mas não causam danos significativos. Dados doDepartamento de Defesa, que deixaram de ser confidenciais, obtidos por meio desatélites especiais que monitoram a Terra em busca de explosões nucleares clandestinas,puderam dar uma idéia da freqüência com que esses pequenos asteróides ou cometasentram na atmosfera da Terra. Centenas de pequenos mundos (e, pelo menos, um corpo celeste maior) parecem ter se chocado com a Terra nos últimos vinte anos. Nãocausaram dano. Mas devemos estar muito seguros de poder distinguir entre um pequenocometa ou asteróide impactante e uma explosão nuclear atmosférica.  

Pálido Ponto Azul-Carl SaganOnde histórias criam vida. Descubra agora