ESCURIDÃO

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Muito além, ocultos aos olhos da luz do dia, há observadores no céu.EURÍPEDES, AS BACANTES (EM TORNO DE 406 a. C.)


Quando crianças, temos medo do escuro. Qualquer coisa pode estar aliescondida. O desconhecido nos perturba.

Ironicamente, é nosso destino viver no escuro. Essa descoberta, inesperada, daciência tem apenas três séculos. Afaste-se da Terra em qualquer direção e, depois de umlampejo inicial de azul e de uma espera mais longa enquanto o Sol desaparecegradualmente, você se vê rodeado pela escuridão, pontuada aqui e ali pelas estrelasdistantes e pálidas.

Mesmo depois de adultos, a escuridão ainda retém o seu poder de nos assustar.E, assim, alguns acham que não deveríamos investigar muito de perto quem maispoderia estar vivendo nessa escuridão. Melhor não saber, dizem eles.

Há 400 bilhões de estrelas na galáxia da Via Láctea. De toda essa imensamultidão, será possível que o nosso Sol prosaico seja a única estrela com um planetahabitado? Talvez. É possível que a origem da vida ou da inteligência seja muitíssimoimprovável. Ou que as civilizações estejam sempre nascendo, mas exterminam-se assimque adquirem a capacidade de se destruir.

Quem sabe, aqui e ali, crivados pelo espaço, girando ao redor de outros soís,existam mundos semelhantes ao nosso, em que outros seres olham para o céu e seperguntam, como nós, quem mais vive na escuridão. A Via Láctea estaria fervilhandode vida e inteligência - mundos chamando outros mundos - enquanto nós, na Terra,vivemos o momento crítico de decidir escutar pela primeira vez?

A nossa espécie descobriu um meio de se comunicar através da escuridão, detranscender as imensas distâncias. Nenhum outro meio de comunicação é mais rápido,nem vai mais longe. É o rádio.

Depois de bilhões de anos de evolução biológica - em seu planeta e no nosso -o desenvolvimento tecnológico de uma civilização alienígena não pode ser igual aonosso. Seres humanos existem há mais de vinte mil séculos, mas só há cerca de umséculo temos o rádio. Se as civilizações alienígenas são mais atrasadas que nós, épossível que estejam muito longe de descobrir o rádio. E se são mais adiantadas, épossível que estejam muito além de nossos progressos. Basta pensar nos avançostécnicos em nosso mundo nos últimos séculos. O que, para nós, é tecnologicamentedifícil ou impossível, o que poderia nos parecer mágica talvez seja, para eles, trivial e fácil. Pode ser que lees usem outros meios muito avançados para se comunicar com seuspares, mas saberiam do rádio como uma tentativa de contato de civilizações emergentes.Só com o nosso nível de tecnologia nas extremidades transmissoras e receptoras,poderíamos nos comunicar, hoje, através de grande parte da galáxia. Eles devem sercapazes de fazê-lo ainda melhor. Se existirem.

Mas nosso medo do escuro se rebela. A idéia de seres alienígenas nosperturba. Invocamos objeções:

"O programa é caro demais". Mas, em sua expressão moderna mais avançada,custa menos que um helicóptero de ataque por ano.

"Jamais compreenderemos o que estão dizendo". Mas, como a mensagem étransmitida por rádio, nós e eles devemos ter, em comum, radiofísica, radioastronomia eradiotecnologia. As leis da natureza são as mesmas por toda parte; assim, a própriaciência provê um meio e uma linguagem de comunicação até entre seres muitodiferentes, desde que ambos tenham ciência. Decifrar a mensagem, se tivermos a sortede receber uma, pode ser muito mais fácil que obtê-la.

"Seria desmoralizador descobrir que a nossa ciência é rudimentar". Mas,pelos padrões dos próximos séculos, todavia, parte de nossa ciência atual seráconsiderada rudimentar, havendo ou não extraterrestres. (O mesmo acontecerá comparte de nossa política, ética, economia e religião atuais.) Ultrapassar a ciência atual éum dos objetivos principais da ciência. Os estudantes sérios não têm, em real, crises dedesespero por virar as páginas de um livro e descobrir que um tópico ainda é obscuropara eles mas é do conhecimento do autor. Normalmente, os estudantes lutam umpouco, adquirem o novo conhecimento e, seguindo a velha tradição humana, continuama virar as páginas.

Pálido Ponto Azul-Carl SaganOnde histórias criam vida. Descubra agora