Quem, meu amigo, pode escalar o céu?A ÉPICA DE GILGAMESH(SUMÉRIA, TERCEIRO MILÊNIO a.C.).
O quê? - às vezes, me pergunto com espanto. Nossos antepassados caminharam da África Oriental até Novaya Zemlya. Ayers Rock e a Patagônia, caçaramelefantes com pontas de lanças feitas de pedra, atravessaram os mares polares em barcosabertos há 7 mil anos, circunavegaram a Terra propelidos apenas pelo vento, pisaram naLua uma década depois de entrarem no espaço - e nós ficamos intimidados com umaviagem a Marte? Lembro-me, então, do sofrimento evitável sobre a Terra, de como alguns dólares podem salvar a vida de uma criança que está morrendo de desidratação,de quantas crianças poderíamos salvar com o dinheiro necessário para uma viagem aMarte e, por enquanto, mudo de idéia. É desonroso ficar em casa ou é desonroso partir?Ou estou propondo uma falsa dicotomia? Não será possível propiciar uma vida melhorpara todos sobre a Terra e partir rumo aos planetas e às estrelas?
Tivemos um período expansivo nos anos 60 e 70. Era possível pensar, comopensei naquela época, que a nossa espécie estaria em Marte antes do fim do século.Mas, ao contrário, nos recolhemos.
Robôs à parte, recuamos no programa de viagens aos planetas e às estrelas.Continuo a me perguntar: falta de coragem ou sinal de maturidade?
É possível que fosse o máximo que poderíamos, razoavelmente, ter esperadoalcançar. De certo modo, é espantoso que tenha sido possível: enviamos uma dúzia deseres humanos em excursões de uma semana para a Lua. E foram-nos concedidos osrecursos para fazer o primeiro reconhecimento de todo o Sistema Solar, ao menos atéNetuno - missões que transmitam toda uma riqueza de dados, mas nada de valorprático, de curto prazo, cotidiano, o pão da cada dia. Animaram o espírito humano,porém. Esclareceram-nos sobre o nosso lugar no Universo. É fácil imaginar tramas decausalidade histórica em que não houvesse corrida para a Lua, nem programaplanetário.
É também possível, entretanto, imaginar um empenho de exploração muitomais sério, que nos levaria a ter, hoje, veículos robóticos investigando as atmosferas detodos os planetas jovinianos e de uma porção de luas, cometas e asteróides; uma rede deestações científicas automáticas instalada em Marte, informando diariamente suasdescobertas; e amostras de muitos mundos examinados nos laboratórios da Terra,revelando sua geologia, sua química e talvez, até, sua biologia. Já poderia haver postoshumanos nos asteróides próximos da Terra, na Lua e em Marte.
Havia muitos caminhos históricos possíveis. Nossa trama de causalidades noslevou a uma série de explorações modestas e rudimentares, ainda que heróicas sobmuitos aspectos. Mas é muito inferior ao que poderia ter sido e ao que um dia, talvez,venha a ser.
"Levar a vigorosa centelha prometéica da Vida para o vazio estéril e aliacender uma imensa fogueira de matéria animada é o verdadeiro destino de nossa raça",lê-se no panfleto de uma organização chamada Fundação do Primeiro Milênio. Promete,por 120 dólares por ano, "cidadania" em colônias do espaço - quando chegar à hora"."Os benfeitores" que contribuem com uma soma maior também recebem "a gratidãoeterna de uma civilização rumo às estrelas, e a gravação de seu nome no monolito a sererigido na Lua". Isso representa um extremo no continuum de entusiasmo a favor dapresença humana no espaço. O outro extremo, mas bem representado no Congresso,questiona por que razão deveríamos ir ao espaço, especialmente levando seres humanosem vez de robôs. O programa Apollo foi um "jogo de bola de gude lunar", como ocrítico social Amitai Etzioni certa vez o chamou; como o fim da Guerra Fria, não hájustificativas para um programa espacial com tripulações humanas, sustentam ospartidários dessa orientação. Em que lugar nesse espectro de opções políticasdeveríamos nos colocar?
Desde que os Estados Unidos venceram a União Soviética na corrida à Lua,parece ter desaparecido uma justificativa coerente, amplamente reconhecida, para levarseres humanos ao espaço. Os presidentes e as comissões do Congresso não sabem o quefazer com o programa espacial que emprega tripulações humanas. Para que serve? Porque precisamos disso? Mas as façanhas dos astronautas e o pouso na Lua haviamprovocado - e por boas razões - a admiração do mundo. Desistir do vôo espacial tripulado seria uma rejeição dessa extraordinária realização norte-americana,argumentam os líderes políticos com seus botões. Que presidente, que Congresso desejaser responsável pelo fim do programa espacial? E, na antiga União Soviética, escuta-seum argumento semelhante: devemos abandonar a única alta tecnologia em que aindasomos líderes mundiais? Devemos trair a herança de Kostantin Tsiolkovsky, SergeiKorolev e Yuri Gagarin?
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Pálido Ponto Azul-Carl Sagan
Non-FictionOBS: """os capítulos estão com um problema no espaçamento entre as palavras, dentro de uma semana será corrigido""" Por que gastar fortunas com programas espaciais quando há tantos problemas aguardando solução a poucos metros de nossas casas? Para...