NAS PONTAS DOS PÉS PELA VIA LÁCTEA

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Juro pela proteção das estrelas (um juramento poderoso, se você ao menos soubesse)...ALCORÃO, SURA 56 (SÉCULO VII)Sem dúvida, é estranho não habitar mais a terra, renunciar a costumes que mal se teve tempode aprender...RAINER MARIA RILKE, "A PRIMEIRA ELEGIA" (1923)


A perspectiva de ascender ao espaço, de alterar outros mundos para alcançarnossas metas - por melhores que sejam nossas intenções - detona um sinal de alerta.Lembramos a tendência humana para a arrogância, recordamos nossa falibilidade ejulgamentos errôneos diante de novas tecnologias poderosas. Lembramos a Torre deBabel, uma construção "cujo cume alcançava o céu", e o medo de Deus em relação anossa espécie, pois agora "não haverá restrição pra tudo o eu eles intentarem fazer".

O salmo 115:16, defende o direito divino aos outros mundos: "Os céus são oscéus do Senhor; mas a Terra ele a deu aos filhos do homem". Platão reconta a históriagrega equivalente à de Babel - o conto de Otis e Efialtes, mortais que "ousaram escalaros céus". Os deuses se vêem diante de uma opção. Devem matar os humanos arrogantes"e aniquilar (sua) raça com raios"? Por um lado, "isso seria o fim dos sacrifícios e cultosque os homens ofereciam" e pelos quais os deuses ansiavam. "Mas, por outro lado, osdeuses não podiam tolerar que (tal) insolência não fosse reprimida."

Se, porém, não tivermos alternativa a longo prazo, se fomos escolher entremuitos mundos ou nenhum, vamos precisar de outro tipos de mito, mitos deencorajamento. Eles existem muitas religiões, do hinduísmo ao cristianismo gnóstico e àdoutrina mórmon, ensinam - por mais ímpio que pareça - que o objetivo dos humanos étornarem-se deuses. Vejamos esta história, do talmude judaico, omitida no Gênesis (emduvidosa concordância com o relato da maça, da Árvore do Conhecimento, da Queda eda expulsão do Éden). No jardim, Deus diz a Eva e a Adão que propositadamentedeixou o Universo inacabado. É responsabilidade dos humanos, no espaço deinumeráveis gerações, participar, com Deus, de uma experiência "gloriosa": "completara Criação".

A carga dessa responsabilidade é pesada, sobretudo para uma espécie fraca eimperfeita como a nossa. Nada, nem remotamente, parecido com um "acabamento"pode ser tentado sem um conhecimento muito maior do que o que hoje possuímos.Estando a nossa própria existência em perigo, porém, talvez venhamos a descobrir quesomos capazes de enfrentar esse supremo desafio.

Embora não tenha realmente empregado nenhum dos argumentos do capítuloanterior, Robert Goddard intuiu que "a navegação do espaço interplanetário deve serefetuada para assegurar a continuidade da raça". Konstantin Tsiolkovsky fez umjulgamento semelhante:

Há inumeráveis planetas, semelhantes a muitas ilhas Terras... O homem ocupa uma delas. Maspor que não se aproveitaria das outras e do poder de um sem-número de sóis?... Quando o Sol esgotasse asua energia, seria lógico abandona-lo e procurar outra estrela, recém-iluminada, ainda na sua juventude.

Isso poderia ser feito antes, bem antes de o Sol morrer, "por espíritosaventureiros à cata de mundos novos para conquistar".

Só repensar, porém, essa argumentação, fico confuso. Não é Buck Rogersdemais? Não requer uma confiança absurda na tecnologia futura? Não ignora meusavisos sobre a falibilidade humana? A curto prazo, encerra, sem dúvida, um preconceitocontra as nações tecnologicamente menos desenvolvidas. Não há alternativas práticassem essas ciladas?

Nossos problemas ambientais auto-infligidos, e nossas armas de destruição emmassa são produtos da ciência e da tecnologia. Então, diz você, vamos desistir daciência e da tecnologia. Admitamos que essas ferramentas são, perigosas demais.Criemos uma sociedade mais simples, em que sejamos incapazes de alterar o meioambiente numa escala global ou mesmo regional. Voltemos a uma tecnologia mínima,concentrada na agricultura, com rigorosos controles sobre os novos conhecimentos.Uma teocracia autoritária é um meio já testado e eficiente de reforçar os controles.

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⏰ Última atualização: Oct 18, 2015 ⏰

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