A DÁVIDA DA APOLLO

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Os portões do Céu estão bem abertos;Sigo em frente...CH'U TZ'U (ATRIBUÍDO A CH'U YÜAN)"AS NOVAS CANÇÕES", CANÇÃO V, "O GRANDE SENHOR DA VIDA".(CHINA, EM TORNO DO TERCEIRO SÉCULO a.C.)


É uma noite abafada de julho. Você adormeceu na poltrona. De repente,acorda sobressaltado, desorientado. A televisão está ligada, mas sem som. Você faz umesforço para compreender o que está vendo. Duas figuras brancas e fantasmagóricas demacacão e capacete estão dançando suavemente sob um céu preto como breu. Eles dãopequenos pulos estranhos, que os impelem para cima em meio a nuvens de poeira mal e mal perceptíveis. Mas alguma coisa está errada. Eles levam muito tempo para descer.Estão sobrecarregados e parecem estar voando - um pouco. Você esfrega os olhos, maso quadro onírico persiste.

De todos os acontecimentos em torno do pouco da Apollo 11 sobre a Lua em20 de julho de 1969, minha lembrança mais vivida é a sua qualidade irreal. NeilArmstrong e Buzz Aldrin arrastavam os pés pela superfície lunar cinzenta e empoeirada,com a Terra avultando em seu céu, enquanto Michael Collins, que era então a lua daLua, girava acima deles em vigília solitária. Sim, foi uma extraordinária realizaçãotecnológica e um triunfo para os Estados Unidos. Sim, os astronautas demonstraram tera coragem de quem desafia a morte. Sim, como Armstrong falou ao pousar sobre a Lua,era um passo histórico para a espécie humana. Mas se você tirasse o som doscomentários secundários entre o Controle da Missão e o Mar da Tranqüilidade, comsuas conversas deliberadamente mundanas e rotineiras, o fixasse o olhar no aparelho detelevisão preto-e-branco, vislumbraria que nós humanos tínhamos entrado no reino domito e da lenda.

Conhecemos a Lua desde os tempos primitivos. Ela já existia no céu quandonossos antepassados desceram das árvores para povoar as savanas, quando aprendemosa caminhar eretos, quando projetamos ferramentas de pedra, quando domesticamos ofogo, quando inventamos a agricultura, construímos cidades e começamos a dominar aTerra. Canções folclóricas e populares celebram uma misteriosa conexão entre a Lua e oamor. Na língua inglesa, a palavra "mês" e o nome do segundo dia da semana fazemalusão à Lua. As suas fases crescente e minguante - do quarto crescente à Lua cheia edo quarto minguante à lua nova - foram compreendidas entre muitos povos como umametáfora celeste da morte e do renascimento. Foram ligadas ao ciclo menstrual dasmulheres, que tem quase o mesmo período, como nos lembra a palavra "menstruação"(do latim mensis = mês, que deriva da palavra "medir"). Aqueles que dormem ao luarenlouquecem; a conexão é preservada na palavra "lunático". Na antiga história persa,perguntam a um vizir, renomado pela sua sabedoria, o que é mais útil, o Sol ou a Lua."A Lua", responde ele, "porque o Sol brilha durante o dia, quando já existe luz".Especialmente quando vivíamos ao ar livre, ela era uma presença importante - aindaque estranhamente intangível - em nossas vidas.

A Lua era uma metáfora para o inatingível: "É mais fácil você querer i à Lua",costumavam dizer. Ou, "isto é tão impossível quando voar para a Lua". Durante a maiorparte de nossa história, não fazíamos idéia do que ela era. Um espírito? Um deus? Nãoparecia alto grande e distante, mas antes algo pequeno e próximo - do tamanho de umprato, talvez, dependurado no céu acima de nossas cabeças. Os filósofos gregos antigosdiscutiam a proposição "de que a Lua tem exatamente o tamanho que aparenta ter"(traindo uma confusão irremediável entre o tamanho linear e angular). Caminhar sobrea Lua teria parecido idéia de maluco; fazia mais sentido imaginar uma forma de subir aocéu por uma escada ou no dorso de um pássaro gigantesco, agarrar a Lua e trazê-la paraa Terra. Ninguém jamais conseguiu, embora houvesse milhares de mitos sobre heróisque tentaram.

Foi só há alguns séculos que a idéia da Lua como um lugar, a uma distância de384 mil quilômetros, entrou em voga. E, nesse breve bruxuleio de tempo, fomos dosprimeiros passos para compreender a natureza da Lua até caminhar e dar um passeiosobre sua superfície. Calculamos como os objetos se movem no espaço; liquefizemos ooxigênio do ar; inventamos grandes foguetes, a telemetria, uma eletrônica confiável, osistema automático de navegação giroscópica e muito mais. Então navegamos para océu.

Pálido Ponto Azul-Carl SaganOnde histórias criam vida. Descubra agora