VIOLÊNCIA INTERPLANETÁRIA DE ROTINA

126 2 0
                                    

  É uma lei da natureza que a Terra e todos os outros corpos permaneçam em seus devidos lugares e deles sejam deslocados apenas por meio de violência.ARISTÓTELES (384-322 a. C.), FÍSICA.  

  Havia algo estranho com Saturno. Quando, em 1610, Galileu usou oprimeiro telescópio astronômico do mundo para ver o planeta – então o mais distante do mundo conhecido – descobriu dois apêndices, um de cada lado. Comparou-os a "alças".Outros astrônomos chamaram-nos de "orelhas". O cosmo contém muitas maravilhas,mas um planeta com orelhas de abando é triste. Galileu foi para o túmulo sem terresolvido essa questão bizarra.  

  Com o passar dos anos, os observadores descobriram que as orelhas ... bem,cresciam e diminuíam. Finalmente, ficou claro que Galileu tinha descoberto um anel,extremamente fino, que circulava Saturno na altura do equador, sem o tocar em partealguma. Durante alguns anos, devido às mudanças nas posições orbitais da Terra e deSaturno, o anel tinha sido visto de perfil e, por ser tão fino, parecia desaparecer. Emoutros anos, fora visto mais de frente, e as "orelhas" cresciam. Qual o significado dehaver um anel ao redor de Saturno? Uma placa fina, chata e sólida com um buracocortado no meio para o planeta? De onde vem isso?  

  Em pouco tempo, essa linha de investigação nos leva a colisões capazes deestilhaçar mundos, a dois perigos bem diferentes para a nossa espécie e a uma razão –além das já descritas – para estarmos lá no alto, entre os planetas, por uma questão desobrevivência.  

  Sabemos, agora, que os anéis (enfaticamente no plural) de Saturno são umavasta horda de mundos glaciais minúsculos, cada um em sua órbita separada, cada umpreso a Saturno pela gravidade do planeta gigantesco. Em tamanho, esses pequenosmundos vão de partículas de poeira fina a casas. Nenhum é bastante grande para serfotografado, nem mesmo por vôos próximos. Distribuídos num conjunto elaborado definos círculos concêntricos, semelhantes aos sulcos de um disco fonográfico (que, narealidade forma uma espiral), os anéis foram revelados pela primeira vez em toda a suamajestade, pelas duas espaçonaves Voyager em seus vôos perto do planeta em 1980-1.Em nosso século (século XX), os anéis art déco de Saturno se tornaram um ícone dofuturo.  

  Num colóquio científico, no final dos anos 60, pediram-me para enumerar osprincipais problemas da ciência planetária. Sugeri que um deles era saber por que, detodos os planetas, apenas Saturno tinha anéis. A Voyager descobriu que essa questãonão existe. Todos os quatro planetas gigantes em nosso Sistema Solar – Júpiter, SaturnoUrano e Netuno – têm, na realidade, anéis. Mas ninguém sabia disso naquela época.  

  Cada sistema de anéis tem características distintas. O de Júpiter é delgado econstituído, principalmente, de partículas escuras, muito pequenas. Os anéis brilhantesde Saturno são compostos, sobretudo, de água gelada: há milhares de anéis distintosnesse sistema, alguns torcidos, com marcas estranhas e escuras, como os raios de umaroda, que se formam e dissipam. Os anéis escuros de Urano parecem compostos decarbono elementar e moléculas orgânicas, lembrando carvão vegetal ou fuligem dechaminé, Urano tem nove anéis principais e alguns deles parecem "respirar" de vez emquando, expandindo-se e contraindo-se. Os anéis de Netuno são os mais finos de todos,variando tanto de espessura que, se detectados da Terra, parecem apenas arcos ecírculos incompletos. Vários anéis parecem ser mantidos pelos puxões gravitacionais deduas luas que atuam como pastoras, uma posicionada entre o planeta e o anel e a outra,mais distante, já fora do anel. Cada sistema de anéis exibe a sua própria beleza,apropriadamente celestial.  

  Como se foram os anéis? Uma possibilidade são as marés: se um mundoerrante passa perto de um planeta, este exerce, sobre o lado próximo do intruso, umaatração gravitacional mais forte que seu lado afastado; se o mundo chega bastante pertoe se sua coesão interna é bastante baixa, pode ser, literalmente, despedaçado. De vez emquando, é o que vemos acontecer a cometas, quando passam demasiado perto de Júpiterou do Sol. Outra possibilidade, sugerida pela exploração do Sistema Solar exterior feitapela Voyager, é a seguinte: os anéis se formam quando mundos colidem e luas sãoesmagadas em pedacinhos. Esses dois mecanismos podem ter desempenhado um papelna formação dos anéis.  

Pálido Ponto Azul-Carl SaganOnde histórias criam vida. Descubra agora