As grandes comportas do mundo maravilhoso se abriram.HERMAN MELVILLE, MOBY DICK, CAPÍTULO 1 (1851).
Daqui a algum tempo, talvez em um futuro bem próximo, uma nação - maisprovavelmente um consórcio de nações - dará o próximo passo importante da aventurahumana no espaço. Conseguirá leva-lo a efeito contornando as burocracias e fazendouso eficiente das tecnologias atuais. Precisará, talvez, de novas tecnologias quetranscendam os grandes e pesadões foguetes químicos. As tripulações de suas navespisarão em novos mundos. Em algum lugar do espaço, nascerá o primeiro bebê. Serãodados os primeiros passos para a vida fora da Terra. Seguiremos nosso caminho. E ofuturo lembrará.
Excitante e majestoso, Marte é o mundo vizinho, o planeta mais próximo emque um astronauta ou cosmonauta poderia pousar com segurança. Embora tenha, àsvezes, a temperatura de outubro na Nova Inglaterra, Marte é um lugar frio, tão frio queparte de sua fina atmosfera de dióxido de carbono se converte em gelo seco no pólo emque é inverno
É o planeta mais próximo cuja superfície podemos ver com um pequenotelescópio. Em todo o Sistema Solar, é o mundo mais parecido com a Terra. Além devôos que passaram perto dele, houve apenas duas missões plenamente bem-sucedidas aMarte: Mariner 9 em 1971, e Vinking 1 e 2 em 1976. Elas revelaram as fendas de umvele profundo que se estenderia de Nova York a San Francisco; imensas montanhasvulcânicas, a mais elevada a 24 mil metros acima da altitude média da superfíciemarciana, quase três vezes a altura do monte Everest; intricada estrutura de camadas,tanto nos gelos polares como entre eles, que lembra um monte de fichas de pôquerdescartadas e constitui provável registro da mudança climática do passado; faixasbrilhantes e escuras pintadas sobre a superfície com a poeira soprada pele vento,fornecendo mapas dos ventos de alta velocidade de Marte durante as últimas décadas eséculos; vastas tempestades de poeira cingindo todo o globo; e enigmáticasconfigurações na superfície.
É possível encontrar centenas de canais sinuosos e redes de vales que datam devários bilhões de anos, principalmente nos planaltos do Sul cheios de crateras. Elessugerem uma época anterior de condições mais benignas e semelhantes às da Terra -muito diferentes das que descobrimos abaixo da tênue e frígida atmosfera de nossotempo. Alguns canais antigos parecem ter sido escavados pela ação da chuva, outros porsolapamento e colapso do subsolo e ainda outros por grandes inundações que jorraramdo solo. Os rios se derramavam nas grandes bacias de impacto de mil quilômetros dediâmetro, preenchendo de água um terreno que hoje é completamente seco. Cascatasque eclipsam qualquer uma das existentes na Terra caiam nos lagos de Marte antigo.Imensos oceanos, com profundidade de centenas de metros, talvez até 1 quilômetro,podem ter banhado suavemente costas litorâneas que, hoje, são mal e mal discerníveis.Esse é que tinha sido um mundo a ser explorado. Estamos 4 bilhões de anos atrasados.
Na Terra, exatamente no mesmo período, surgiram e evoluíram os primeirosmicroorganismos. A vida na Terra tem uma conexão íntima, pelas razões químicas maisbásicas, com a água liquida. Nós, humanos, somos feitos de uns três quartos de água. Osmesmos tipos de moléculas orgânicas que caíram no céu e foram geradas no ar e nosmares da Terra antiga também deveriam ter se acumulado em Marte antigo. É plausívelque a vida aparecesse rapidamente nas águas da Terra primitiva, mas ficasse de algumaforma restrita ou inibida nas águas do Marte primitivo? Ou será que os mares marcianos estariam cheios de vida - que flutuava, gerava, evoluía? Que animais estranhosnadavam outrora naqueles mares?
Qualquer que tenha sido o drama daqueles tempos remotos, tudo começou adar errado há cerca de 3,8 bilhões de anos. Podemos ver que a erosão das craterasantigas começou a ser tornar dramaticamente mais lenta por essa época. Quando aatmosfera se reduziu, quando os rios pararam de fluir, quando os oceanos começaram asecar, quando as temperaturas caíram abruptamente, a vida teria se retirado para ospoucos hábitats apropriados que restavam, amontoando-se, talvez, no fundo de lagoscobertos por gelo, até que ela também desapareceu e os corpos mortos e os restosfosseis de organismos exóticos - formados, talvez, segundo princípios muito diferentesda vida na Terra - ficaram congelados, aguardando os exploradores que poderiamaportar em Marte em futuro distante.
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Pálido Ponto Azul-Carl Sagan
Non-FictionOBS: """os capítulos estão com um problema no espaçamento entre as palavras, dentro de uma semana será corrigido""" Por que gastar fortunas com programas espaciais quando há tantos problemas aguardando solução a poucos metros de nossas casas? Para...