Por favor, você não espera ser capaz de ar asrazões para o número de planetas, não? Essa questão já foi resolvida.JOHANNES KEPLER,EPÍTOME DE ASTRONOMIA COPERNICA,LIVRO 4 (1621)
Antes de inventarmos a civilização, nossos antepassados viviamprincipalmente ao relento, a céu aberto. Antes de inventarmos luzes artificiais, poluiçãoatmosférica e formas modernas de diversão noturna, observávamos as estrelas. Haviarazões práticas relativas ao calendário para esse hábito, mas ele significava muito mais.Mesmo hoje, o habitante mais fatigado das cidades pode comover de repente ao ver océu de uma noite clara salpicado de estrelas cintilantes. Depois de todos esses anos, issoainda me deixa sem fôlego.
Em toda cultura, o céu e o impulso religioso estão entrelaçados. Deito numcampo aberto e o céu me rodeia. Sinto-me esmagado pela amplidão. Ele é tão vasto etão distante que minha própria insignificância fica palpável. Mas não sinto repelido pelocéu. Sou parte dele - uma parte minúscula, mas tudo é minúsculo comparado a essaimensidão. E, quando fixo as estrelas, os planetas e seus movimentos, tenho a impressãoirresistível de um elegante mecanismo de precisão funcionando numa escala que noseclipsa e humilha.
A maioria das grandes invenções da história humana - das ferramentas depedra e do controle do fogo à linguagem escrita - foi obra de benfeitores anônimos.Nossa memória institucional de acontecimentos remotos é fraca. Não sabemos o nomedo antepassado que notou pela primeira vez que os planetas eram diferentes das estrelas;deve ter vivido há dezenas, centenas de milhares de anos. Mas um dia as pessoas detodo o mundo entenderam que cinco, e apenas cinco, dos pontos brilhantes de luz docéu noturno não acompanham o passo de outras estrelas durante um período de meses,movendo-se estranhamente, quase como se tivessem inteligência própria.
O estranho movimento aparente desses planetas era acompanhado pelo Sol epela Lua, o que significa sete corpos errantes ao todo. Eles eram importantes para osantigos, que lhes deram nomes de deuses; não quaisquer deuses antigos, mas osprincipais, os poderosos, aqueles que determinam o que os outros deuses (e os mortais)devem fazer. Um dos planetas, brilhante e de movimento lento, foi chamado Marducpelos babilônios, Odin pelos nórdicos, Zeus pelos gregos e Júpiter pelos romanos.Sempre o rei dos deuses. Ao planeta tênue e veloz que jamais se distanciava muito doSol, os romanos deram o nome de Mercúrio em homenagem ao mensageiro dos deuses;o mais brilhante deles recebeu o nome de Vênus, a deusa do amor e da beleza; overmelho, cor de sangue, foi chamado Marte em homenagem ao deus da guerra; e omais lento do grupo ficou sendo Saturno em homenagem ao deus do templo. Essasmetáforas e alusões foram o máximo que nossos antepassados puderam fazer: nãopossuíam instrumentos científicos além do olho nu, estavam confinados na Terra e nãofaziam idéia de que também ela era um planeta.
Quando se tornou necessário delinear a semana - período de tempo que, aocontrário de dia, mês e ano, não tem importância astronômica intrínseca - foramdeterminados sete dias, com o nome de cada uma das sete luzes anômalas no céunoturno. Não é difícil reconhecer os vestígios dessa convenção. Em inglês, Saturday é odia de Saturno. A leitura de Sunday e Monday, o dia do Sol e o dia da Lua, é bastanteclara. De Tuesday a Friday o de Freya, os dias têm os nomes dos deuses dos saxões e deseus parentes invasores teutônicos da Bretanha romana/céltica: Wednesday, porexemplo é o dia de Odin (ou Wodin); Thusday o de Thor; Friday o de Freya, a deusa doamor. O último dia da semana permaneceu romano, o resto tornou-se germânico.
Nas línguas românticas como o francês, o espanhol e o italiano, a conexão éainda mais evidente: todas derivam do antigo latim, no qual os dias da semana eramdenominados (pela ordem, a começar de domingo) em homenagem ao Sol, à Lua, aMarte, a Mercúrio, a Júpiter, a Vênus e a Saturno. (O dia do Sol tornou-se o dia doSenhor). Eles poderiam ter denominado os dias pela hierarquia do brilho dos corposastronômicos correspondentes - o Sol, a Lua, Vênus, Júpiter, Marte, Saturno e Mercúrio(e assim teríamos, em espanhol, Domingo, Lunes, Viernes, Jueves, Martes, Sábado,Miércoles) - mas não o fizeram. Se os dias da semana, nas línguas românticas, tivessemsido ordenados pela distancia do Sol, a seqüência seria Domingo, Miercules, Viernes,Lunes, Martes, Jueves, Sábado. Mas ninguém sabia a ordem dos planetas na época emque estávamos nomeando os planetas, os deuses e os dias da semana.
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Pálido Ponto Azul-Carl Sagan
Non-FictionOBS: """os capítulos estão com um problema no espaçamento entre as palavras, dentro de uma semana será corrigido""" Por que gastar fortunas com programas espaciais quando há tantos problemas aguardando solução a poucos metros de nossas casas? Para...