PARA O CÉU!

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As escadas do céu são abaixadas para que ele possa ascender por elas ao céu. Ó deuses,ponham seus braços embaixo do rei, suspendam-no, levantem-no para o céu. Para o céu! Para o céu!HINO PARA UM FARAÓ MORTO (EGITO, EM TORNO DE 2600 a. C.)


Quando meus avós eram crianças, a luz elétrica, o automóvel, o aeroplano eo rádio eram progressos tecnológicos assombrosos, as maravilhas da época. Era possívelescutar histórias extraordinárias sobre elas, mas não se podia encontrar um únicoexemplar naquela pequena vila do Império Austro-Húngaro, perto das margens do rioBug. Naqueles tempos, porém, perto da virada do século passado (século XIX), viveramdois homens que previram outras invenções, muito mais ambiciosas - KostantinTsiolkovsky, o teórico, um mestre-escola quase surdo na obscura cidade russa deKaluga, e Robert Goddard, o engenheiro, professor numa escola superior norteamericanaigualmente obscura, em Massachusetts. Eles sonharam com o emprego defoguetes para viajar aos planetas e às estrelas. Passo a passo, elaboraram a física básicae muitos dos detalhes. Gradativamente, suas máquinas tornaram forma. Por fim, seussonhos provaram ser contagiosos.

Na sua época, a própria idéia era considerada vergonhosa ou, até, sintoma dealguma obscura insanidade mental. Goddard achava que a mera menção de uma viagemaos outros mundos o expunha ao ridículo, e não ousava publicar, nem mesmo discutirem público, sua visão futura de vôos às estrelas. Na adolescência, ambos tiveram visõessobre o vôo espacial, epifanias que jamais os abandonaram. "Ainda tenho sonhos emque saio voando para as estrelas na minha máquina", escreveu Tsiolkovsy, na meiaidade."É difícil trabalhar sempre sozinho, em condições adversas, sem um lampejo deesperança, sem nenhuma ajuda". Muitos de seus contemporâneos achavam que ele erarealmente louco. Os que conheciam física melhor que Tsolkvsky e Goddard - inclusiveo The New York Times, num editorial de rejeição sumária só renegado às vésperas daApollo 11 - insistiam em que os foguetes não podiam funcionar no vácuo, que a Lua eos planetas estavam, para sempre, fora do alcance humano.

Uma geração mais tarde, inspirado por Tsiolkovsky e Goddard, Wernher VonBraun construía o primeiro foguete capaz de chegar à orla do espaço, o V-2. Mas, poruma dessas ironias, abundantes no século XX, Von Braun estava construindo o foguetepara os nazistas, como um instrumento de massacre indiscriminado de civis, como uma"arma de vingança" para Hitler, as fábricas de foguetes equipadas com mão-de-obraescrava, sofrimentos humanos inexprimíveis pagando a construção de casa propulsor e o próprio Von Braun transformando em oficial da SS. Estava mirando a Lua, brincavaele sem constrangimento, mas em vez disso acertou Londres.

Depois de mais uma geração, construindo sobre o trabalho de Tsiolkovsky eGoddard, prolongando o gênio tecnológico de Von Braun, estávamos lá em cima, noespaço, circunavegando silenciosamente a Terra, pisando na antiga e deserta superfícielunar. As nossas máquinas - cada vez mais competentes e autônomas - espalhavam-sepelo Sistema Solar, descobrindo novos mundos, examinado-os de perto, procurandovida, comparando-os com a Terra.

Esta é uma razão pra que, na longa perspectiva astronômica, haja algoverdadeiramente memorável no "momento presente" - que podemos definir como ospoucos séculos que têm como centro o ano em que você está lendo este livro. É há umasegunda razão: esta é a primeira vez, na história de nosso planeta, em que uma espécie,por suas próprias ações, tornou-se um perigo para si mesma e, também, para inúmerasoutras. Vamos recapitular como isso se deu:

*Temos queimado combustíveis fósseis por centenas de milhares deanos. Nos anos 60, havia tantos queimando madeira, carvão, petróleo, egás natural, em tão grande escala, que os cientistas começaram a sepreocupar com o crescente efeito estufa; os perigos do aquecimentoglobal começaram, lentamente, a se introduzir na consciência pública.

Pálido Ponto Azul-Carl SaganOnde histórias criam vida. Descubra agora