1.Vazio e Solidão

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Naquela noite eu fui dormir cedo. Lembro da voz da minha mãe dizendo:

- Boa noite meu pequeno mágico, espero ver você amanhã.

Não pensei que seria uma despedida, mas foi. Virei-me algumas vezes na cama, não conseguia dormir, pois tinha pessoas falando alto na sala. Finalmente caí no sono, sonhei com cachorros e trovões, mas meu sonho foi interrompido por um grito agudo, o grito da minha mãe, e depois silêncio. Sentei na cama e chamei por ela. Nenhuma resposta. Passaram-se alguns minutos então resolvi levantar da cama e ir até ela. Calcei minhas pantufas de basquete, abri a porta e reparei que todas as luzes estavam acessas.

- Mãe - Eu estava assustado. Nenhuma resposta, novamente.

Ainda era noite, a porta da sala estava aberta. Fui até o quarto da minha mãe e senti um grande calafrio quando vi sua cama revirada e manchada com sangue. Paralisei. Senti lágrimas descendo pelo meu rosto e depois um soluço, comecei a chorar. Corri para o quarto de Braeno, meu irmão mais velho, gritando seu nome. Estava vazio. Eu tinha esquecido que Braeno e meu pai tinham ido passar o final de semana no Lago Lagosta, uma pousada de pesca. Fui correndo para a sala, descendo as escadas, quando escorreguei e bati a testa no chão de madeira. Chorei mais ainda, coração acelerado, falta de ar. Minhas mãos estavam manchadas de sangue. Eu me machuquei, pensei.

Quando me levantei percebi que tinha diversas manchas vermelhas no chão...Pegadas de um pé descalço. As pegadas iam até a parede da sala e paravam ali. Na parede tinha um pedaço de papel branco com a seguinte frase: Somos deuses.

Não liguei para o bilhete. Corri pra fora de casa, testa latejando, mãos sujas de sangue e chorando alto. Chamando pela minha mãe. Foi quando o senhor Beto, nosso vizinho, veio correndo e falando desesperado:

- Calma menino... O que aconteceu? - Ele mal conseguia andar, muito menos correr.

Depois disso, apenas lembro-me da delegacia. Os policiais fazendo perguntas que eu não sabia responder. Eu apenas chorava e pensava na minha mãe. Vi o senhor Beto conversando com um policial baixo e calvo. Ninguém conseguiu contatar meu pai, nem meu irmão. A perícia estava, naquele momento, na minha casa.

Eu fiquei dois dias na casa do senhor Beto, num quarto. Nunca saía dali... Não tinha vontade. No terceiro dia ouvi a porta da frente e uma voz diferente:

- Olá! Bem, é complicado... O pai do Héditer está desaparecido, assim como o irmão. O sangue era da senhora Hécate, mas ela desapareceu... Nossos policias já estão patrulhando a cidade, mas ele terá que ir para um orfanato temporariamente, nada definitivo. Apenas até o pai aparecer, já que o irmão tem apenas 15 anos, e também está desaparecido. Sinto muito.

Era definitivo!

Também me lembro dos anos intermináveis no orfanato, que ficava em outra cidade, das crianças malvadas, do tratamento rude que eu recebia dos professores de lá, da comida ruim, da tristeza e ansiedade. De ver todos indo com suas novas famílias e eu ficando. Esperando. Completei 10, 14, 17 anos e continuava lá. Sem amigos, na verdade eu fiz um amigo, Denner, fomos amigos por dois meses até ele ser adotado. Ninguém queria adotar um garoto que corria o risco de ter um pai que poderia aparecer a qualquer momento e levá-lo para casa, mas ele nunca apareceu.

Finalmente completei 18 anos e tive que sair. A despedida não foi nada emotiva, na verdade foi até um alívio, a diretora do orfanato me deu uma quantia em dinheiro para eu me virar até ter um emprego.

Despedi-me de todos. Agora eu tenho que ser independente. Como não tenho para onde ir, volto para minha antiga casa, recebo as chaves. O orfanato Horton fica em Colina Santa Eulália, minha antiga casa fica em Serra Olímpia, uma pequena cidade há 15 km dali. O motorista me levou. Eu possuía pouca bagagem, apenas uma bolsa com algumas peças de roupas. Olhei para trás, Horton ficava cada vez mais distante, até sumir.

O filho de HécateOnde histórias criam vida. Descubra agora