Capítulo Seis

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Eu estava fria, o mais fria que podia estar.

Amanda somente respirava fundo, supus que angariava a coragem para falar o que era necessário, ainda que nos deixasse mais e mais apreensivos. Principalmente porque ela nunca chorara durante uma situação daquelas antes. Sua calma e concentração sempre fora tanta que agora ela nos assustava demais, por mal conseguir segurar as lágrimas dentro de si mesma. E quando suspirou, ao encostar a cabeça na parede e voltar a chorar, sem se importar se era observada ou não, eu senti como se o mundo se despedaçasse.

Alguém morria. Aquela era a mensagem. Clara como a neve, não? Não. Era obscura e miserável e eu sufocava com tanta angustia. Por que sempre a Morte? E então, ela destruiu aquela noite para todos ali, quando disse as únicas quatro palavras.

― Helena... eu sinto muito...

Seu sussurro foi tão baixo que eu quis que ele realmente não existisse; talvez todos quisessem o mesmo. Mas quando ela a encarou e deu de ombros, como se tivesse alguma culpa naquela situação...

― Do que você está falando? ― Helena se aproximou em passos largos da menina que ainda chorava. Chacoalhou seus ombros, com raiva nos olhos. Nem parecia a mesma garota gentil que eu conhecia desde que éramos pequenas. ― Fala. Agora.

Amanda colocou a mão na frente da boca, balançando a cabeça em negatividade.

― Diz! Eu preciso saber o que está acontecendo! ― ela a empurrou conta a parede; ninguém fez nada para impedir... nem ao menos eu.

O choque estava agindo como a cola que nos mantinha presos em nossos lugares e ali, ações de qualquer tipo não existiam.

Amanda reagiu: gritou, chorando ainda mais.

― Sua mãe! Ela vai morrer... eu sinto muito... mesmo.

A bile quis subir pela minha garganta; a explosão que ameaçava retomar em mim foi contida, mais uma vez.

Aquilo não era justo. Perder uma mãe não era justo e eu, que mais sabia sobre o assunto, deveria ter sido a primeira e atravessar a barreira do choque e ir até ela. Mas foi Caleb quem a puxou para si e permitiu que ela derramasse as lágrimas infinitas em sua camisa; ainda que não externasse aquilo, paralisada, absorta na notícia. E Lucien foi à Amanda, segurando-a por trás e impedindo que caísse no chão, em um abraço carinhoso, enquanto ela... ainda chorava e respirava com dificuldade.

Então, eu e todos que ali estavam, ouvimos.

No início foi apenas um chiado baixinho, quase inaudível perto daquele que vinha de Amanda. E quando o volume aumentou, eu pude entender o que estava acontecendo: era Helena, irrompendo a inercia.

Era isso. Uma visão era uma visão. Elas se concretizavam.

As pessoas morriam, guerras aconteciam e tudo que nós podíamos fazer era estarmos preparados para isso. Só eu não tivera a oportunidade de me prevenir e de entender que Alafer ir à batalha significava que ela partiria. Abstraída em meus pensamentos, mal notei quando a garganta ardeu e a visão enturvou; Alafer estava morta e eu mal a via. Não era como se eu pudesse... se um quadro numa sala vazia pudesse fazer alguma coisa por toda a saudade que eu senti.

Eu conseguia recordar do pior dia da minha vida com uma clareza insuportável: lá estava ela, sua luz límpida se extinguindo, sendo destruída pela explosão laranja e vermelha de Éden. Eu queria voltar atrás. Queria ter dito que a amava e que eu entendia, que a perdoava por não fazer o que eu queria. Mais do que tudo... minha vontade era ter a habilidade de controlar o tempo e morrer por Elai no lugar de minha mãe. Afinal, nada é mais traumático do que... ver a pessoa que você mais ama morrer na sua frente. E ter o seu sangue ― que ela compartilhou com você quando ainda era apenas um feto ― cobrindo o seu corpo da cabeça aos pés.

Sacerdotisa de Landar - Livro Um (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora