Capítulo Quinze

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O resto da noite foi como se um grande vazio (dessa vez, sem mais lágrimas) tivesse vindo e tomado conta de tudo. Eu fiquei acordada ainda por um tempo, até meu corpo não aguentar mais; Jason ficou no quarto enquanto eu dormia e provavelmente só saiu quando raiava o meu aniversário...

"Ahai anai" foi a expressão que me despertou e a que mais ouvi no dia todo, desde que acordei, até a hora em que fui dormir. Valerie apareceu bem cedo com um sorriso no rosto, abrindo sem dó a janela e fazendo a luz do sol invadir minhas pálpebras vermelhas depois de uma noite com muito choro ― só as minhas, Jason já havia partido antes de sua chegada. Ela me congratulou e eu quis mandá-la para lugares ruins, muito ruins, mas não iria ser tão rude com alguém que nada mais era além de gentil comigo. Depois dela, foi a vez de mais um borrão de pessoas que eu não lembrava os nomes me parabenizarem e Mia, a costureira de Elai chegou. Veio para ajudar a me vestir e terminar os ajustes dos mínimos detalhes do carigian no meu corpo. Quando ela se foi e eu já estava pronta (ao menos quase), Filia, Cashka ― mãe de Pietro ―, Mira ― mãe de Candice ― e... Irinieva entraram para a consagração.

Tal ritual consistia em limpar as partes expostas da minha pele com óleos extraídos naquele mesmo dia e pintar meu rosto, assim como nossos ancestrais costumavam fazer. Era uma forma de entrar pura e elevada em um novo ciclo de nascimento; significava "chances renovadas", tal como um ritual que prezava a boa sorte. E os deuses sabiam o quanto eu precisava disso...

Irina prendeu meu cabelo na forma que remontava a Sacerdotisas de Landar mais antigas: uma trança florida que caia no ombro direito. Cashka e Filia passaram os óleos em mim com movimentos circulares e depois desenharam as runas antigas em meus pés para dar boa sorte nos meus caminhos. Mira pintou meu rosto com os tons das handark; o verde passando sob os olhos e o laranja nos lábios. Do mesmo jeito que havia sido no ciclo anterior e no outro, e no outro antes desse.

As quatro fizeram um trabalho rápido e logo se retiraram para dar lugar ao meu acompanhante, que supus que fosse ser Jason, já que ele estava fazendo todo o trabalho que deveria ser de Peter. No entanto, quem apareceu na porta com os trajes oficiais, o mesmo penteado que eu, e um sorriso embasbacado fora Valerie, cuja mão me ofereceu ― tremendo ― para que pudéssemos ir onde todos nos esperavam. Ela parecia mais nervosa do que eu e eu entendia porque: minha consorte jamais participara de algo tão grandioso e em uma posição daquelas. Se entraria junto comigo, isso significava que todo olhariam para a pobre menina e eu sabia muito bem que Valerie era um tanto tímida e costumava fazer coisas mais comuns por mim. Ser minha acompanhante em um ritual de aniversário não era algo com o qual ela estava acostumada ― apertei sua mão, afirmando que tudo daria certo. Logo que assentiu, eu sorri.

Caminhamos em um silêncio reconfortante e encorajador; o vento gélido a castigava, afinal, ela não usava tantas peças e muito menos era uma elemental do fogo que poderia controlar sua temperatura corporal. Eu lhe ofereci minha manta (na verdade, obriguei que usasse, já que ela insistiu que estava tudo bem e que preferia que eu não passasse frio) e a mantive aquecida pelo tempo que demoramos para chegar no suntuoso jardim de inverno. Uma batida se perdeu no meu coração quando vi que as flores principais do evento eram irinikras, as favoritas de Alafer. E bem naquele momento, Valerie soltou minha mão, que já começava a suar.

Olhei para ela uma última vez antes de prosseguir.

Pé ante pé, segui em direção à Elai e tia Irina, que me esperavam já em frente ao pequeno círculo de agua não tão rasa onde eu seria "batizada" com os bons votos de cada um dos sacerdotes. Além deles, as únicas pessoas que estavam ali eram os seus filhos e os consortes que os faziam companhia. Não vi Jason em lugar algum, então supus que ele não poderia participar daquele tipo de evento. Quando parei em frente a elas, ajoelhei-me, como mandava a tradição e deixei que fizessem o papel que geralmente era dado aos pais do aniversariante.

Sacerdotisa de Landar - Livro Um (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora