Capítulo Dezoito

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Eu passei o crepúsculo inteiro sentada na sala de Kalanova, sem dizer uma palavra sequer, olhando fixamente para uma parede. Se chorava ou não, jamais saberia dizer: havia entrado em um estado tão caótico que tudo ao meu redor parecia se movimentar rápido demais para que eu pudesse acompanhar. Cada batida de coração era sentir meu peito prestes a explodir a qualquer momento; eu estava no modo desligado, sem uma reação que pudesse usar como gancho para retornar à sanidade.

Quanto tempo havia demorado me afogando na ideia de que eu tinha uma vantagem e, por não tê-la usufruído, agora Helena estava morta? A culpa era minha, certo? Caso tivesse contado a alguém o que me fora dito, ao invés de me concentrar em coisas inúteis, talvez minha amiga estivesse viva. Os "e se..." que permeavam pelas memórias daquilo que não foi, eram mais do que uma punição: ela estava morta.

E foi como se eu mesma tivesse puxado o pino da granada.

As coisas não poderiam ficar assim — Andora era a primeira e eu não iria guardar o que sabia e o que acontecera por um capricho infantil e mortal. Geralmente, quando alguém morre, é isso, acabou: não existe uma forma de pedir desculpas pelos erros do passado; mas não para mim. E havia algo em especial que eu poderia fazer.

Usei meu gancho.

― Kalanova ― sussurrei, num sopro de voz que eu mal sabia que ainda tinha. Ele me encarou, os olhos mais profundos do que nunca. ― Talvez esteja na hora de sermos honestos um com o outro, pelo menos uma vez na vida. ― Sua expressão transfigurou da confusão inicial para um fio de entendimento invisível que pareceu nos ligar. Sem sequer dizer uma palavra, fez um sinal para que todos ali saíssem (eu nem notara que haviam rostos desconhecidos na sala) e então, sentou na minha frente; não com aquele ar superior de diretor, porém, como meu semelhante.

― Você está certa, Katherine. Ainda que eu tenha prometido à sua mãe, não posso te proteger do mundo eternamente ― seu olhar se desviou de mim, em direção a um passado longínquo; certamente havia começado a se recordar de algo que eu tratei logo de cortar.

Não seria fácil contar aquilo, porém, diante da situação em que nos encontrávamos, era necessário. Além disso, Kalanova era considerado como família por minha mãe e ainda que nossa relação se baseasse em um desafeto mútuo, eu poderia confiar plenamente nele, certo? Esperava realmente que sim.

― Eu preciso revelar algo a você que eu nunca contei a ninguém, além de Freddie e Jason ― assim, ganhei sua total atenção. ― Quando Alafer morreu, pouco depois, aconteceu uma coisa comigo também, que nem mesmo Peter ou minha tia Irina sabem. E que eu nunca cogitei contar a você. Bom, pelo menos até agora. ― Tremi de leve, aninhando-me ainda mais no grosso cobertor que se encontrava em meus ombros. A imagem do que restou de Helena voltou para minha mente mais uma vez e eu tratei de expulsá-la antes que se alojasse ali eternamente. Tive de me segurar para não chorar. ― Eu consigo falar com minha mãe quando quero.

― Katherine, isso é perfeitamente normal e nã...

― Não é isso! ― grunhi. ― Eu posso viajar para Lancart. A hora que eu quiser.

Então, seu silêncio pensativo dominou o ambiente. Enquanto ele digeria as informações, eu tomava mais um gole da infusão que alguém ― que presumi ser Lucien ― trouxera para mim e que já estava fria; aqueci-a, esperando que o calor da bebida acalmasse a montanha russa que funcionava sem pausas em meu estômago. Estava amargo no ponto que eu gostava e eu deveria agradecê-lo, principalmente por ter deixado seus sentimentos de lado num momento tão tenso como aquele.

Sacerdotisa de Landar - Livro Um (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora